A Tasca do Carrasco
Ainda sobre a tasca do meu amigo Carrasco, local que enquanto tiver memória nunca esquecerei, sempre que regressava ao meu ninho, tinha uma visita obrigatória à Tasca.
Ali recebia os abraços da gente da terra que tropeçava em mim e isto, porque eu nunca dizia que ia - apenas, chegava! Ali se bebiam uns copos, era preciso não quebrar a tradição e ali eu revia parte da família, pois o Carrasco era casado com uma minha prima direita e, portanto, era meu primo.
Era ele que tinha o Correio, era ele que tinha o telefone, e era ele que recebia e enviava as boas e as más notícias para todo o Mundo, notícias que tinham a ver com a nossa terra e as suas gentes!
Esta é a porta da saudade, qe nos mata a alma ao vê-la fechada. Há dias, Julho de 2006, estive lá e só vi tristezas!
Foi ali que eu recebi a primeira notícia da morte de um tio que, por ondas electromagnéticas eram levadas até Soajo e depois subiam a montanha na forma de telegrama. Normalmente as notícias eram más e começavam os choros. Foi ali que chegou a notícia da morte do meu irmão num acidente militar, e foi dali que partiu para o Mundo, a mesma notícia e que o Mundo recebeu como sendo a minha morte em África.
Sim eu sou apenas o vivo que já foi chorado morto! Assim, na véspera do Terror do 11 de Setembro 2001, enquanto eu comia o bolo da pedra da saudade, eu via passar pela minha retina, todo o ambiente da antiga Tasca, das malgas cheias de vinho que circulavam de boca em boca - era a rodada (nessa altura não se temia a SIDA, nem nada de semelhante), via os cavalos chegados montanha acima, vindos de Soajo, subir os 3-4 degraus que os levava a entrar tasca dentro e também beber o seu copo, em forma de sopas de cavalo cansado!
Ali, se ouviam as notícias da minha gente que chegavam a França, a salto, ou dos que ficavam presos pelo caminho sem nunca terem saído de terras de Espanha! Normalmente o regresso é sinónimo de alegria, mas ali, muitas vezes, o regresso era portador de muitas tristezas. Os dinheiros gastos, e eram tão poucos, para chegar a terras de França, significavam mais pobreza, mais dívidas, maiores compromissos e significavam também passar a conhecer quão bela é a palavra solidariedade! "Não desistas, o dinheiro não te vai faltar. Pagas-me quando o tiveres"! "Ó Carrasco, enche aí a malga"! Como eram belas as gentes da minha terra! Como se sonhava! Como caminhamos todos para o precipício do Mundo, para a dispersão, para a diáspora!