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As Caminhadas do Ventor

... por aí

As Caminhadas do Ventor

... por aí

No cabeçalho, a ponte romana de Cangas de Onis, sobre o rio Sella. Uma maravilha por onde caminharam romanos, árabes e tantos outros.


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Um lago de Covadonga que retrata as belezas dos Picos da Europa, nas Astúrias


O Ventor saiu das trevas para caminhar entre as estrelas.
Ele continua a sonhar, caminhando, que as estrelas ainda brilham no céu, que o nosso amigo Apolo ainda nos dá luz e que o nosso mundo continuará a ser belo se os homens tentarem ajudar...

Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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Pedrada - a Naia

Recordar o passado, caminhando na Naia.

Quase sempre que me desloco ao Alto da Pedrada, sigo os trilhos iniciais desta caminhada. Gosto de me dirigir ao Alto da Portela e ver a Senhora da Peneda, lá longe e bem em frente do meu nariz. Nós temos um pacto. Dizermos olá, mesmo que seja de longe. Eu sei que Ela está lá e Ela sabe que, naquele momento, eu estou a passar ali. Observá-La do Alto da Portela, abraçando com a minha vista todo aquele vale, até Ela, é de facto uma das minhas maravilhas. Por isso, quer vá até lá, quer não vá, gosto de fazer assim e junto do Cruzeiro da Portela, sossegado, olhar, sem pressas, a Senhora da Peneda.

Por isso, muitas dessas vezes, eu não vejo os cortelhos da Naia nem bebo água na sua fonte. Eu passo pelo lado contrário à fonte, direito ao Muranho e, no regresso, quase sempre faço o mesmo. Mas desta vez, eu não ia sair de lá sem passar pela parte da Naia que me levaria à sua nascente e ver os seus velhos espaços murados e os seus cortelhos.

Por isso, ao descermos pelo Alto da Derrilheira, deixando o Muranho pela esquerda, íamos obter três belos resultados. Descíamos com os olhos sempre postos nos montes de Bordença,  na Assureira e na zona da Naia que desejávamos - a nossa fonte.

 

Para além disso iriamos passar pela nascente do rio de Adrão, ver o Alto da Derrilheira de baixo para cima, bem juntinho aos seus fraguedos e deslocar-nos-íamos até ao cimo da Corga da Naia. Eis o Luis a observá-la despida de muitas das suas belezas naturais, devido ao incêndio.

Ela aí vai passeando ao sol de Agosto sem, provàvelmente, a companhia de muitos dos animais que, em tempos, animaram, na sua bela caminhada, a minha querida gotinha - a Sonhadora.

 

No Inverno, na força das suas águas, a Corga da Naia torna-se diluviana. Ela inicia a sua limpeza e varre tudo até ao rio Lima e, no Verão, as suas águas mantêm-se limpas de toda a sujidade.

Passada a Corga da Naia e olhando para trás, cravamos os olhos na Derrilheira, nos Surreiros e nas falhas sobre as quais vão escorregando o Muranho, a sua nascente e os seus Cortelhos. É um trabalho de milénios, mas olhando bem as fotos tiradas na nossa caminhada pela Naia em direcção ao Murnaho notamos bem como aquela encosta tem descido sobre essas falhas.

Mais uma olhada sobre a Corga da Naia e o esturrico da grande queimada. É pena é que estes incêndios não sirvam para esturricar também, muitas das mentes ociosas e incapacitantes deste país.

Aqui, mais nascentes de outras gotinhas, velhas companheiras da Sonhadora. Podemos ver os lamaçais feito pelo caminhar dos gados para beberem água. Essas gotinhas vão aos trombalhões, encosta abaixo, até conseguirem alcançar a Corga da Naia, lá no fundo.

A minha objectiva já tropeçou nas ruínas dos velhos cortelhos da Naia. 

E, serenamente, caminha sobre eles. 

Mas não deixamos de olhar para trás! 

A Fonte a Naia!

Agora sim! Agora que chegamos, posso dizer-vos que há muitos anos que não bebia água nesta fonte! Relativamente perto desta fonte, a caminho da Ferrada, dancei eu a dança da cobra. Uma dança séria levada a cabo no silêncio da música. Eu com a Cuca ao colo, pois tinha-lhe prometido que a levaria à Pedrada, ao colo, a única música que ouvia era a cobra à chicotada às minhas pernas e eu a subir e a descer na vertical com aquela cobra verde a obrigar-me a uma dança que, nem ela nem eu, queriamos. Mas nessa altura eu dançava bem!

A Cuca era uma Caniche branquinha, a nossa linda menina, que ficou coxa depois de uma grande caminhada num calorento dia de Julho, depois de meter as patas na água gelada. Ao vê-la coxa, eu prometi-lhe que a levaria à Pedrada e cumpri.

 

 

Nunca me tinha servido de um copo para beber água nesta fonte! Alguma vez teria de ser a primeira.

 

 

E se eu desse um salto para dentro desta  bela fontinha? O fotógrafo ainda foi pior do que eu! Perdeu a beleza da fonte esperançado de me ver cair! Mas eu não gosto nada de quedas.

O Luis e os monumentos dos nossos avós! 

Eis como eles ficam de encontro à Derrilheira.

Mais uma forcinha e tinham construido, aqui, uma velha e bela cidade!

Esperança já há!  Este feto também se quis apressar, só para dizer "olá! ao Ventor!

Mais nascentes, para correr para a Corga da Naia. 

Elas aí vão, rumo a Oeste! 

Quando era miúdo, sempre olhei esta pedra com um enorme respeito. Hoje faz-me lembrar uma mãe gorila com o seu filhote nos braços.

Mais uma olhada para trás, com uma das nascentes aqui no fundo e, no meio da foto, as fracturas que colocam o Muranho sobre rolamentos, por cima, a plataforma do Muranho e, mais em cima, a serrinha.

Mais um, entre muitos, que tombou às garras de criminosos.

Mas este não, este diz que precisa de sobreviver!  «O meu corpo vai cair sobre cinzas, Ventor, mas os meus ovos ficarão esperando, melhores dias». Ele, tal como eu, acreditamos que melhores dias virão. Para o ano, se o Senhor da Esfera o permitir, eu caminharei ao lado dos seus descendentes.

Mais uma amostra dos nossos montes cimeiros. Vocês já estáo pelos cabelos, mas eu nunca me canso de olhá-los! E sei de muita gente que não se cansa. Sei também do pedido do Emílio: "Eu vou partir para a América mas, para nós, coloca muitas fotos"! São, no mínimo, três os Emílios que, a meu lado, vão partilhando da minha Caminhada!

Agora, continuemos a olhar em frente. Quando olho os meus montes lá de baixo, eu vejo o horizonte neste local onde passamos, na base desta foto.

Estamos no mesmo local, no horizonte do cimo da Corga Grande na foto que identifica as minhas Montanhas Lindas!

Na metade de cima direita da foto, o Penedo do Osso. 

 

Agora, desviando-nos para a esquerda, no centro desta foto, no meio dos fetos, lá está o carro do Luis, que o levou até ali, cheio de ansiedade, por ter perdido as festas da Barca sem saber se nós tínhamos ou não, metido os pés a caminho. Pois como podem imaginar, apesar de eu o ter feito tantas vezes, não é agradável andar só pelas nossas Montahas Lindas!

Mas a descida ainda não acabou. Ainda vamos parar no Cruzeiro da Portela, frente à Senhora da Peneda, onde encontramos uma viatura dos sapadores da Gavieira a quem eu acabei por perguntar se tanto homem não foram capazes de evitar que as nossas montanhas ardessem! Encolheram os ombros e deram-me assim a resposta.

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Pedrada - da Derrilheira aos Sorreiros

Agora, vamos descer desde a Derrilheira até aos Sorreirros, sempre virados para baixo portanto sempre a ver paisagens, não sendo necessário olhar para trás, mas mesmo assim vamos fazê-lo.

Olhamos para trás porque nunca vimos o nosso pico tão desfigurado, tão carbonizado, tão negro!

Aqueles que não conhecem os nossos montes, devem pensar que são fotos a mais e são realmente! Mas estes postes não são feitos apenas para dar a conhecer a serra de Soajo mas, especialmente, para aqueles que já a conhecem. Eles caminhando na nossa serra, a meu lado, a nosso lado, aperceber-se-ão de que, para além da tristeza de a vermos queimada, recordarão os seus locais, os seus montes, as suas paisagens e matarão saudades.

Vejamos então como é descer do Alto da Derrilheira olhando as nossa belas montanhas carbonizadas e o contraste com as paisagens longínquas.

 

 

Uma foto mais abrangente do Poulo do Muranho à nossa esquerda, com os seus célebres cortelhos. Nas urzes verdinhas à sua esquerda, fica a sua célebre fonte - a fonte do Muranho. Pretenderam, em tempos, levar um estradão até ao Muranho, mas que eu saiba, nunca se passou do poulo da Ferrada para cima porque as grandes chuvadas terão desfeito esse estradão logo no primeiro ano. Até para construir estradões, sabemos que é preciso ter conhecimentos! Não só ter máquinas e sabêlos construir, mas saber como e para quê!

 

 

 Lá ao fundo a Naia e do lado de lá, uma parte da serra da Peneda, com a Fraga da Nédia.

 

 

Em frente do Alto da Derrilheira, bastante lá em baixo, as nossas outras montanhas, frente a Adrão.

 

 

À nossa direira o vale (garganta) onde corre o rio de Bordença, que se vai juntar ao rio de Adrão, no fundo da Assureira.

 

 

Passando por cima das nossas outras montanhas, em frente, vamos encontrar lá ao fundo, por cima de Lindoso e da Madalena, rumo à Portela do Homem, o Gerês!

Lá ao fundo, em frente e direita da cabeça do Luis, vemos a nossa Assureira, que me vai merecer um post especial.

 

 

Aqui por baixo, logo nesta ponta, da zona verde de fetos, vemos a nascente do rio de Adrão. Vamos lá passar. É aqui que começa a atribulada vida daquela gotinha minha amiga.

 

 

 No quadrado direito de cima desta foto, dentro da cerca de pedra, fica a fonte da Naia.

 

 

No centro da foto, na área queimada, fica a corga da Naia e do lado esquerdo, fica a Chãe do Boi.

 

 

No centro desta foto fica o Alto do Lombo. Lá do fundo, da estrada, não se vê o grande lombo deste monte. Só se vêm os seus declives.

 

 

Do cimo desta rocha, Luis olha myito espantado a figura negra dos montes de Bordença e espreita os bosques queimados do Guidão...

 

 

... e eu olho por cima da Naia a Fraga da Nédia, na serra da Peneda e as montanhas de Espanha.

 

 

À medida que descemos do Alto da Derrilheira, a Naia cada vez tapa mais as nossas montanhas lindas à Leste. 

 

 

 

Mas ainda descortinamos perfeitamente a Barragem de Lindoso.

 

 

Morreram para sempre (para mim) os bosques verdes e belos do Guidão! Vão levar muitos anos a recomporem-se. Por trás do Guidão vê-se, lá longe, o monte Gião.

 

 

Há pequenas áreas nesta zona  do rio da Fraga que nunca vêm o sol! Noutros tempos, desde lá no fundo, na veiga de Adrão, chegavam trepando a garganta do rio da Fraga, a chiadeira dos carros de bois que transportavam o estrume para as lavouras.

 

 

O monte do Castelo, a Chãe do ruivo, a Centieira, na esquina direita inferior da foto, o Poulo da Fraga, a seguir  o Barroco, no centro, as Fontes e a Cascalheira e, muito para lá disso tudo, a Barragem do Lindoso, logo a seguir aos montes rapados de Paradela. Do lado de lá da Barragem a estrada de Lindoso para a Madalena, na fronteira com a Galiza.

 

 

Aqui a apanhar só a partir das Fontes e Cascalheira para lá. Essa barragem de Lindoso tem um braço e mini braços que entram pela Espanha dentro e, do lado de cá, o braço da Várzea que serve de frontereira a Portugal e Espanha (se preferirem, Galiza)!

 

 

Esta, a Assureira do lado de lá e o caminho para Cunhas. Foi aqui que o meu amigo Ferrada, há anos, perdeu uma grande parte da sua vida ao quebrar uma vértebra quando quis subir para tirar um pêra. Era um das pêras da saudade!

 

 

 Aqui, bem longe, vemos o monte junto à minha escolinha dos velhos tempos. Este monte ardeu até lá ao fundo, junto ao rio. Se o fogo tivesse passado para lá do rio, nada tinha escapado! As lavouras que se vêm do lado de lá, já o foram. Elas ainda se vêm mas a maioria é só mato. Eu estive lá e foi pior que ir à Pedrada!

 

 

Os montes de Bordença tinham matos e árvores com dezenas de anos que foram feitos em cinzas.

 

 

O Luis continua a observar o Guidão! No centro da encosta frente à cabeça do Luis, travei eu, há muitos anos, a minha maior luta com lobos que nunca cheguei a ver. Eu só ouvia os latidos da cadela do Abílio Augusto na sua luta desigual com eles. Entrei pelo giestal dentro como o mais terrível dos lobos. Eles fugiram, a cadela chegou junto de mim a sangrar e o Abílio, que o Senhor da Esfera tenha junto de si, só gritava pedindo-me para eu sair do meio do giestal. Foi um dos piores dias da minha vida! O nevoeiro não deixava ver nada, a chuva era torrencial, as cabras a fugir aos lobos dirigiam-se para onde eu não queria. Os lobos mandavam-se a elas e elas iam direitas a uma corga diluviana onde não poderiam passar, mas com o medo que tinham dos lobos atiravam-se à água. Umas passavam, outras eram levadas na corrente. Os lobos e o dilúvio fizeram um grande estragalhaço nas cabras de Bordença!

 

 

 O Jack, acho que ainda não acredita no que viu e no que vê!

 

 

Era a desolação absoluta! As cinzas, ainda eram muitas, mesmo lavadas por forte chuvada de dias antes, que segundo me disseram colocaram o rio Lima negro.

 

 

Mas continuamos caminho, Derrilheira abaixo!

 

 

 Lá ao fundo, a minha objectiva apanha agora bem as tapadas da Chãe do Boi

 

 

 Por cima da cabeça do Luis apanho as primeiras casas da Barreira, por cima da estrada. À esquerda, na foto, a estrada de Adrão para Paradela.

 

 

 No centro da foto, lá ao fundo, Soajo! Por cima da estrada para Adrão está tudo queimado.

 

 

 

Aqui, já mais perto, o Alto do Lombo. Lembras-te Tata! Com oito anos, desceste a Derrilheira sobre fragas agarrada às urzes e a mim, nos troços mais difíceis, depois esta montanha até casa, depois de caminhares horas sobre um lençol de carqueja! Comigo, até hoje, sempre chegaram todos! Na terra dos lobos e mesmo na terra dos lões.

 

 

As saudades que eu tenho de ver estes montes cheios de gado. Houve anos que fazíamos uma grande "vezeira" de vacas que iam beber à Chãe do Ruivo, no quadrado esquerdo de cima, na foto, ainda verde. Elas queriam ir para as Fontes, mas as multas florestais eram de  75$oo por cabeça! Nessa altura era um dinheirão.

 

 

No centro da foto, a Chãe da Porca, muitas vezes, no Inverno, encontrava as fezes do lobo ainda quentes a "fumegar" vapor. Ele escondia-se no Curral Coberto, no caminho da Assureira para Cunhas. Eu sabia que as vacas o pressentiam e olhavam sempre para os acessos ao Curral Coberto. Eu não o via mas ele tinha estado ali. As marcas perfeitas e frescas, das suas patarronas, na terra húmida, eram uma constante. Ainda houve dois locais, desta vez, que vimos as suas patadas nas cinzas.

 

 

Chegou a vez de olharmos para trás! Nada de especial a não ser as rochas fantásticas da Derrilheira acabadas de sair do inferno! 

 

 

Do inferno também saíu a Naia, onde a nossa fontinha, sagrada, nos aguarda. 

 

 

Aqui nasceu a minha célebre gotinha, a Sonhadora. Alguns já a leram, outros nem saberão da sua existência. Mas prometo reabilitá-la! Aliás pensei em tirar fotos de todos os locais por onde ela passou, mas foi-me impossível. Os matagais de silvas, tojos, salgueiros urzes e outros, nunca me permitirão fazer as caminhadas de outros tempos, no meu rio. E essa gotinha, minha amiga, nunca rolou sobre cinzas!

 

 

Ela nasceu num sítio lindo e sempre verde. Caminhou pela corga da Naia, congratulou-se com a chegada de outras amigas, como as que partem da fonte da nossa sede e juntas levantaram o cântico em desafio com as rãs. Viam escaravelhos e besouros voando sobre elas e ainda mais acima, Apolo, o meu grande amigo, sempre sorrrindo!

 

 

Por aqui sempre vi cobras. Fundamentalmente, eram verdes e negras. Algumas andariam à sombra dos fetos e dos troncos das urzes. Será que há sobreviventes?

 

 

No centro desta foto, está uma vassoura de mato, prova de que andaram aqui a tentar apagar fogo. Mas a maior prova que este "ajuntamento" de ramos me dá, é que, realmente, a coordenação da luta contra este incêndio deve ter sido de bradar aos céus! Realmente este Maralhal não percebia nada disto! Disseram-me que andaram por ali a passear de helicóptero e nada mais fizeram. Também reconheço que depois de terem deixado o fogo entrar na zona de Travanca, nada mais poderiam fazer a não ser deixar arder. Este fogo devia ter sio apagado antes de chegar ao Mezio e Travanca. Depois, na minha opinião, seria mesmo para arder, mas também não o apagaram antes de chegar a Travanca, estou plenamente convencido, por incompetências, por falta de comando ou sei lá!

 

 

A Derrilheira, pico dos nossos sonhos, quase visto na vertical de baixo para cima. Na ponta direita da foto, assenta o Muranho!

 

 

Um pormenor às urzes gigantescas que, há mais de meio século sobreviviam a todos os incêndios. 

 

 

Aqui, por entre as urzes queimadas, passam as sucessoras descendentes da minha gotinha Sonhadora. É a corga da Naia. Esta corga era uma beleza e neste dia, 24 de Agosto de 2006, parece que foi arrancada à profundeza dos infernos!

Agora, no 5º e último troço da nossa caminhada, vou mostrar-vos a nascente da Naia.

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Pedrada - Do Alto, à Derrilheira

Agora, vamos iniciar a descida do Alto da Pedada, pelo lado de Travanca. Não para ir mesmo por Travanca, mas para vos dar uma ideiade como é o lado contrário daquele por onde subimos. Depois rodamos à esquerda, dirigindo-nos para a Corga da Vagem onde o Jack nos espera.

Ao sairmos da zona do marco geodésico, em direcção do Mezio-Travanca, encontramos os pedregulhos que, quando eu era miúdo, me contavam que a filha de um rei queria lá fazer um Palácio. Sempre que por lá passava, só, ou acompanhado, eu não pensava no lobo, mas imaginava como ficaria ali um palácio, que com tanta pedra, seria certamente, bem maior que todos os cortelhos do Muranho juntos! Vejamos então, como um acidente geológico pode dar lugar à lenda!

 

 

 

Cá estão as tais pedras, mas há muitas mais. O estradão que se vê lá em baixo, rumo â zona do Mezio, vem de Lamas de Mouro, passa pela Branda das Aveleiras, atravessa a Seida e aqui ramifica-se. Um braço vai para Sistelo e o outro para o Mezio. Não me recordo se foi um projecto florestal se já é obra do Parque. O que eu sei é que, nos aos "70", eu fiz , pela única vez, esse trajecto de carro com uns amigos pelo cair da noite e ainda estava um rouceiro do lado da Pedrada com as cabras a tentar fazê-las acelerar para a branda de Gorbelas, onde já chegariam com escuro. Estava-se lá tão bem que as cabras não queriam ir para casa!

Lembra-me de meu pai dizer para esse senhor: «olha que já é tarde, podes ter problemas»! Referia-se ao lobo que andaria por ali de olho no rouceiro, nos cães e nas cabras há procura da sua oportunidade.

 

 

Lá ao fundo, vêm-se os Arcos de Valdevez. Todos que conhecem a zona, recordam-se como são  lindas as encostas que nos fazem trepar os olhos por aqueles montes do Mezio e de Travanca em direcção à Pedrada. Agora, essas encostas vestidas de luto, durante muito tempo, deixar-nos-ão apenas, para aqueles que as conheceram, as recordações das suas florestas verdes!

 

 

Nesta foto, vê-se outro Fojo do Lobo, na mesma configuração do estradão, do lado oposto ao nosso Fojo do Lobo. A Pedrada fica no meio dos dois. Este fojo, ultimamente, tinha os muros envolvidos pelo mato que já não se dava por ele. Eu sabia que estava ali, mas quem não soubesse, passava-lhe despercebido. Neste, nunca asisti a uma montaria.

 

 

 

O Luis já escalou o cortelho que está junto aos pedregulhos e eu fui de volta ver a sua porta. Ele recordou-me de uma vaca que era do ti Brazileiro e que se chamava Dourada. É engraçado como há animais que marcam a nossa vida, tanto tempo depois. Essa vaca, no tempo que subiam ao tecto da serra gostava de andar pelo Curral do Pai, e quando o sol apertava ela encaminhava-se par o Alto da Pedrada, e metia-se neste cortelho onde, à fresquinha, se abrigava das moscas. Depois saía, dirigia-se para o Curral do Pai, matava a sede e no dia seguinte voltava. Como eras linda dourada! Era a única que utilizava o cortelho.

 

 

Entre estas duas montanhas corre o rio Ramiscal e nas suas margens jaz, devorada pelo fogo, a bela mata de carvalhos do Ramiscal. Não sei para que querem o Parque Nacional se não são capazes de tomar conta dele. Aliás, a geração que se diz libertadora, não foi capaz de tomar conta de nada! Dão tanta volta nos meandro políticos que acabam por não fazer nada. Mais parecem baratas tontas!

 

 

Não é fácil caminhar na Pedrada mas, pelo menos, a Dourada tinha flores à saída do seu Palácio!

 

 

 

Mais uns amigos mortos, como diria o meu Quico. Os que puderam fugiram, os que não puderam foram esturricados, como estes. O Senhor da Esfera fez muitas coisas mal feitas e uma delas, foi colocar o fogo em mãos criminosas. E, pelo que parece, nem Ele nem os homens conseguem refrear o ímpeto de tantos assassinos. Pendurados na primeria árvore era o que eles mereciam!

 

 

Ao fundo à esquerda, não era no meio à direita! Olhamos para a fonte da Corga da Vagem  na margem esquerda, fora desta foto e népias! Mas a minha objectiva foi encontrar o Jack deitado onde mais lhe agradou. Pudera! O sítio era óptimo para quem perde noitadas!

 

 

 

Deitou-se debaixo do sorriso do nosso amigo Apolo, bastante moderado, num dia bastante fresco, ouvindo o cantarolar das águas e das rãs. Que mais querer neste mundo para dormir um sono justíssimo?!

 

 

Assubiei, gritei e nada! Teve do Luis seguir para a fonte e eu fazer o desvio para o ir buscar! Acordou, esfregou os olhos e, claro, como não as via, perguntei-lhe pelas garrafinhas! Como raio ele terá levado as garrafas para a nascente e veio dormir para tão longe? Perguntei eu! As garrafas Jack? «Estão aí no rio»!

 

 

Olhei o rio do Jack e não via nada. Apenas vi rãs a saltar com medo que o Ventor estivesse à procura do almoço. Como se eu estivesse disposto a comer coxinhas de rã na Corga da Vagem!

 

 

Mas eu olhava e nem rãs via, as garrafas dera-as Deus! Mas o Jack deu umas voltas e lá as arrancou das águas! Sabiam que os lobos tomavam banho aqui? Sempre que eu ia à Pedrada com o Lodi (Lodai), um cão meu amigo e das minhas caminhadas, ele perdia-se sempre nestes matos à procura de animais que já lá tinham estado. Depois virava-se para mim e dizia: «Ventor, não sei deles, mas eles estiveram aqui»!

Esquece-os Lodai, eles não são parvos como tu"! Uma vez encontrou lá uma vaca acabada de comer! Só grandes ossadas.

Mas quando eu andava lá por África, num dos montes de Vila Cabral, encontrei um sítio igual a este com águas que se sumiam nos torrões e voltavam a aparecer mais à frente. Lá lembrava-me sempre da Coga da Vagem e na Corga da Vagem lembro-me sempre desse sítio.

Lá o Goldfinger gritava e arranhava o focinho com as patas da frente e eu de arma em riste corria a pensar que alguma mamba me mordeu o cão. Afinal era um caranguejo a cerca de 600 km do mar e a uma altura semelhante a esta. Pouco abaixo dos 1400 mts.

 

 

Entretanto, eu e o Jack, chegamos à nossa fonte e encontramos o Luis de volta da sua tralha! Estava a preparar o seu almoço. Para isso tinha de o aquecer num fogareiro em miniatura. Nem ele nem o Jack  faziam farinha da máquina! Eu arranjei outro entretimento. Este amigo! Um dos escaravelhos descendente de velhos amigos de outas caminhadas. Tivemos um velho díálogo os dois. Ele tem o seu gene e eu tenho o meu e ambos dissertamos sobre as histórias dos velhos tempos.

 

Este amigo ouvia tudo que eu lhe contava e, de vez em quando, colocava-se de barriga para o ar e parecia que ria que nem um perdido. Por causa dele, da maquineta do Luis e da sede, cometi o meu primeiro grande erro. Comecei a colocar as garrafas de cerveja na água corrente, bebi água fresquinha, comemos, bebemos, brinquei com alguns bichos sobreviventes e, no meio disto tudo, acabei por  não fotografar a nascente da nossa sede, a da Corga da Vagem.

Mas também não perdemos muito! Ela é igual à do Muranho e da Naia. Para vocês isso serve e para mim, como é costume, deixo sempre rabos. Por isso é que os meus ciclos nunca são fechados!

Depois partimos e pelos caminhos que andamos, verificamos que nunca se está só nas minhas Montanhas Lindas! A defecação do lobo que, na desorientação do incêndio deixou a sua marca e as suas patadas. Vimos as patads do lobo nas cinzas, mas não as fotografei porque tinha de mudar de lente. Claro que, também porque poderiam dizer que podiam ser de cães, mas lobo é lobo e cão é cão. O lobo já foi matar gado para os montes de Paradela e da Várzea. Um carro passou à uma da manhã na estrada de Adrão para Paradela e perante a fuga das vacas, rumo à estrada, parou. Tudo acalmou e o carro seguiu o seu destino ficando as vacas nas margens da estrada.

Dias depois, alguém deu pela falta de uma vaca. O condutor da viatura contou a sua hsitória e o dono da vaca foi dar com os restos da sua carcaça. São histórias de vida e morte nas montanhas da serra de Soajo!

 

 

Agora arrancamos rumo ao alto da Derrilheira que fica à nossa esquerda. Do lado direito da Corga da Vagem, ficam os cortelhos do Cabecinho . Este primeiro monte no centro da foto. Aqui morreu-se em lutas sem glória por espaços da nossa serra. Soajo e Adrão travaram aqui as suas batalhas. À paulada, mas não deixaram de ser batalhas. Os de Soajo queriam passar para cá e os de Adrão queriam passar para lá com os seus gados. Os de Soajo não permitiam que os gados de Adrão passassem para o monte do Cabecinho mas queriam que os gados de Soajo passassem para o lado da Derrilheira e como sabem, para que homens andem à bordoada, não é preciso muito.

Deu-se uma zaragata e um de Adrão matou um de Soajo. Depois, segundo se diz, teve de fugir para Espanha. Segundo consta, nunca mais voltou. A Guarda chegou a ir guardar essa corga, e não permitia que os de Soajo passassem para cá nem os de Adrão para lá! Nunca percebi isso, pois esses montes são de Bordença e Bordença é de Adrão. Obrigado Luis, por me recordares aquilo que nem sempre gostamos de lembrar.

 

 

 

Ao caminhar do Cabecinho para a Derrilheira, já vemos as nossas montanhas do fundo. Assureira, Cascalheira, Chãe da Porca ...

 

 

Aqui mais ampliada e com a sua paisagem deslumbrante. Do lado de lá são as encostas que nos levam ao Gerês!

 

 

A nossa caminhada, agora, dirige-se para o Alto da Derrilheira!

 

 

Lá ao fundo, do lado direito, já sabemos que está Soajo ...

 

 

Mas as cinzas são tantas que eu quis prestar uma homenagem à minha bengala. Perdi-lhe a borracha e, por isso, foi fácil enterrá-la nas cinzas. Andei um pouco e, ao virar-me para trás, observei como as cinzas ficavam no ar. Assim, com esta foto especial, a minha bengala já tem uma história para contar à outra. A chatice é que a outra também vai querer ir à Pedrada!

 

 

Ali, naquele vértice, está o Alto da Derrileiira. Foi com ele, visto lá debaixo, que eu abri a descrição sobre esta bela caminhada.

 

 

Mas não somos só nós a caminhar neste inferno de cinzas. Continuamos a ter outros companheiros como esta aranha que me arrepia ao vê-la, mas ela nem sabe como, apesar disso, fiquei contente de a ver.

 

 

À nossa direita ficam sempre estáticos os montes de Bordença. Entre eles correm corgas que as fotos não mostram

 

 

Um pouco enviesado tiro fotos das minhas montanhas lindas. No quadrado esquerdo da foto, em baixo, vemos o poulo do Alto do Lombo e no fundo o Senhor da Paz, no meio do incêndio, o local rapado da minha velha Escolinha.

 

 

Do lado de lá, os montes da Assureira. Por baixo da rapada, no meio do pinhal, fica a nascente das Fontes.

No centro inferior da foto as casas cimeiras de Adrão - a Barreira! Lá ao fundo, a Barragem de Lindoso!

 

 

No centro da foto, á direita, Soajo. Aqui do lado esquerdo, no fundo a estrada que passa por Bordença para Adrão. A objectiva foi lá, mas nós estamos muito longe, cá no cimo!

 

 

Continuamos a caminhar para o Alto da Derrilheira!

 

 

O Luis caminha para atingir a Derrilheira e ver a Naia, a Chãe do Boi, enfim, o nosso mundo intermédio.

 

 

São pedras, em estilo de marco geodésico que alguém levantou para servir de marco. O velho e oficial, foi destuido.

 

 

Da Pedrada, com uma visão de 360º em volta pouco vemos, porque a visão é reduzida ao topo das montanhas. Apenas tem uma escapadela em direcção dos Arcos de Valdevez e Braga.

 

 

Mas daqui, nós vemos tudo, 360º em volta. À nossa rectaguarda está a Pedrada. Em frente tudo até Espanha, Amarela, Gerês. À esquerda a serra da Peneda, e os montes de Rouças e Gavieira. À direita os Montes de Bordença até Soajo.

 

 

À esquerda, mesmo debaixo da asa, um adeus aos Cortelhos e Poulo do Muranho

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No centro da foto, vê-se o cimo de Adrão. Como podem ver, Adrão está cercada de montes. É ali o meu berço. Tanto ou mais que o Torga, eu nasci num berço de granito coberto com o manto azul do céu. Caminhar sobre granito é a mais bela das minhas especialidades. Foi sentado nestas rochas que, no 11 de Setembro de 2001, quando eu pretendia que o meu sobrinho Nico saísse de Israel, ele me colocou, no telemóvel, a música da ponte do Rio kwai!

 

 

No estradão da Naia, à esquerda. na foto, viu o pastor das cabras de Cunhas, antes do incêndio, o lobo a tentar apanhar um vitelo. Estava tão pertinho dele em plena corrida que achou que o vitelo tinha sido mordido. Mas não foi mordido.

Ele estava a olhar as suas cabras e viu as vacas a fugir pelo monte abaixo e uma delas a ornear, pedindo ajuda. Não via nada e ao olhar o estradão viu um vitelo na maior corrida da sua vida. Olhou para trás do vitelo e viu que o lobo o levava quase apanhado. Apontou o vitelo aos cães e eles foram dar uma batida ao lobo que, mal notou que os cães iam em sua direcção foi forçado a desistir da caçada.

 

 

Agora vamos iniciar a descida, pelo Alto da Derrilheira abaixo, a mais difícil de todas. Quero dizer com isto que vamos descer rumo à Naia, à nossa fonte muito querida, mas antes, teremos de passar pela primeira nascente do rio de Adrão. Irei mostrr-vos a fonte da Naia e a caminhada para casa. desta vez mais longe, em Arcos de Valdevez!

 

 

Casa Velha.jpg

A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Pedrada - do Muranho à Pedrada

Topo da serra de Soajao. A minha serra, vista por cima!

Depois de subirmos aquela encosta do Muranho, logo no cimo, topamos com os montes que não vemos caminhando na estrada, nem enquanto subimos. Agora olhamos a nossa serra, por cima, mas não deixamos de deitar o olho em redor.

Vou mostrar-vos o que vemos a caminho da Pedrada depois de atingirmos o espaço de onde a vemos sempre, mantendo-se à nossa disposição. Desde o cerro que tem por cabeça o alto da Derrilheira, vamos ver a Pedrada e todo o seu espaço envolvente.

Depois de atingirmos aquele cerro que vai desde a Serrinha ao Alto da Derrilheira, vemos, lá à frente, o Alto da Pedrada que, com a ajuda da minha teleobjectiva parece em frente do nosso nariz, mas ainda falta um pouco para lá chegarmos.

Olhando em frente, por cimo da Corga da Vagem, rumo à zona do Mezio, passamos as vistas pelo topo dos montes de Bordença

Mas o nosso destino é a Pedrada, tendo de passar antes por perto do Fojo do Lobo. Por isso, seguimos pela margem esquerda da Corga da Vagem, rumo à Fonte das Forcadas, mas desviando-nos mais para a direita.

Do lado direito da Corga da Vagem está tudo queimado, o fogo veio subindo dos montes de Bordença e veio também dos lados de Travanca e do rio Ramiscal atacando a Pedrada em volta. 

Do lado de lá, o Alto da Pedrada, do lado de cá a subida para a Serrinha e no meio a Corga da Vagem.

Do cimo da Corga da Vagem, há, para o lado de trás, em direcção à Seida, a Corga das Forcadas, no cimo da qual fica a fonte das Forcadas, famosa noutros tempos, nos dias das montarias ao lobo. Era ali que se juntavam e contavam os lobos abatidos.

Uma beleza estragada pelos incêndios que de vez em quando varrem o seu solo. Antigamente os gados comiam tudo e os incêndios não eram tão desvastadores

Quando desço da Pedrada, costumo fazê-lo por essa encosta rumo ao Olho do Avô, onde costumo beber água na sua nascente. Desta vez não fomos lá, passamos mais por cá dessa nascente porque o destino era a fonte da Corga da Vagem. 

Mas mesmo num mundo de caos, há sempre lugar para o amor, como estes dois que são bem diferentes mas não desperdiçam o momento. Talvez queiram dar origem a outra espécie ou não queiram perder o ímpeto da globalização.

A Corga da Vagem é a água mais cimeira que passa por Bordença. Mais abaixo há uma grande queda de água que se nota bem a sua espectacularidade durante os invernos chuvosos. Eu já a vi com todo o furor e foi a primeira grande queda de água que vi na minha vida. No fundo do poulo, no meio das urzes verdes que se vêm, nasce mais água. Quando ouvirem falar na fonte da Corga da Vagem é disso que se trata. Vê-la-emos mais tarde. Mas há outras nascentes mais acima, no meio das urzes. É aí que a corga toma nome. Essa corga tem sempre água. Mas a nossa fonte, aquela onde matamos a sede, é no fundo do poulo, na margem esquerda.

Por trás da montanha queimada fica Sistelo. Entre aquela montanha e a encosta que sobe até à Pedrada, fica o rio Ramiscal 

Agora caminhávamos em direcção às Forcadas. Aqui, uma zona protegida por outro incêndio anterior ...

... mas vamos desviar-nos para o Fojo do Lobo. 

À nossa frente está a Seida e lá na ponta vê-se o estradão que nos pode levar até Sistelo, mas julgo que nem os jipes lá andarão. 

Caminhando para o Fojo do Lobo, temos à nossa esquerda a Corga das Forcadas. O Jack, já ficou para trás, enquanto eu e o Luis fomos dar a volta e atingir os nossos objectivos. Ele foi para a Fonte da Corga da Vagem, sentar-se à sombra das urzes que escaparam ao incêndio, devido à água e colocar o vinho e as cervejas no "frigorífico natural", para quando nós chegássemos estarem fresquinhas. Pelo menos foi assim que foi combinado! 

Já estamos por cima da Brusca e vamos virar à esquerda rumo ao Fojo do Lobo. Esta parte da montanha não ardeu porque tinha havido uma queimada anterior que, devido à pequenez do mato, fez de corta-fogo. Mas só a minha objectiva o alcança, porque nós continuamos sobre cinzas.

O muro do lado de cá está escondido pelo cabeço à nossa esquerda e nós temos de descer isto tudo até nos aproximarmos do buraco do Fojo.

Nós vamos para esquerda, mas eu aponto a objectiva para a direita na descida rumo à Peneda.

Saltando de rocha em rocha, com passada larga,  descemos um monte que bem nos vai custar a subir depois. Mas nós já sabemos disso. Não vamps ser enganados!

Sobre rochas e sobre cinzas, num trajecto bem difícil até em circunstâncias normais. E vamos  ter de subir tudo, outra vez. Quem corre por gosto não cansa. Toniflex foi a minha sorte, indicada pelo avô do Tomás. Resultou! A minha coluna foi completamente recauxutada e mais parecia de um jovem de 20-30 anos.

Não sei porquê, mas acho que no nosso espírito, está a aprendizagem que fizemos com as cabras ao caminharmos nestes solos rochosos.

E ei-nos relativamente perto do buraco do Fojo do Lobo. Nós não, a objectiva sim! Mas não valia a pena descer mais, porque a descida é difícil e a subida nem se fala. Não vai haver piedade! Para mais, atendendo ao facto do meu companheiro de caminhada não ter vara e eu andar por ali de bengala. Foi a única coisa que tinha à mão! Não quis acordar ninguém em Adrão para pedir um cajado e a única pessoa a quem a podia pedir, porque estava acordada, o sogro do Luis, esqueceu-me completamente, mas tinha a bengala no carro e aproveitei-me dela. Uma maravilha e uma novidade nas minhas montanhas.

A subida começou. Mas ainda não disse tudo! Andei nas minhas montanhas com uns sapatos que mais pareciam de toilete. Eles fartaram-se de ser testados, noutras serras e noutros montes e fiz-lhe uma promessa. Lembro-me sempre da ida de uma Mocho linda, que andava por aqui, até Las Vegas. Ela comprou os bilhetes para Las Vegas e a dona do meu Quico comprou-me uns Worldland. Acertou em cheio! E eu que prometi aos meus sapatos que os levaria comigo à Pedrada e vejam lá que, depois de esgaçar matos sem fim e agora carbonizados, rochas negras e arestadas, ainda hoje andaram a passear-me, em Sintra. Que belos sapatos!

O Fojo do Lobo já está a ficar para trás e nós vamos à procura do nosso monte mais alto e, por isso, mais pertinho do céu!

Como a subir convém sempre olhar para trás, para vermos o que andamos e não o que falta andar, vamos sempre apreciando as paisagens que ficam à nossa rectagauarda e, numa dessas olhadas, demos de caras com o Poulo de Adrão na serra da Peneda. Fica mesmo no primeiro monte no centro da foto. Era para ali que ia o gado de Adrão pois os de Soajo tinham outro Poulo mais acima. Tudo nas nossas serras era talhado por um direito imanado da caminhada das gentes em conluio com a caminhada dos séculos.

Tudo acaba! Até a transumância dos nossos gados da serra de Soajo para a serra da Peneda, acabou. Falarei disso mais tarde!

Descendo a Seida, rumo às Brandas das Aveleiras e de St. António, encontramos as serras em direcção de Monção, desfiguradas pelas torres que pretendem captar energia eólica. Vamos ver como a paisagística deste mundo vai ficar com estas transformações! Cá por mim, já está visto!

Agora de regresso à Pedrada, temos os montes do lado de Sistelo carbonizados pelo mesmo incêndio ...

 ... e quem vai de Sistelo para os Arcos de valdevez, mais torres para mais captação de energia eólica. Com o tempo, ainda veremos as torres envoltas em matos e a arderem também. Pelo caminho que isto leva, não me admiraria nada de ver senhores caminhando no seu mundo alcatifado de vermelho e outros a dizerem que não lhes compete cortar mato e, enquanto os anos forem passando, irão adiando até ao desfecho final. É assim que vai o nosso mundo!

Agora sim, vamos voltar à Fonte das Forcadas, por onde passaremos para subir à Pedrada. 

Não deixo contudo de olhar o Curral do Pai, local onde já assisti à maior luta de bois que alguma vez tinha imaginado. Imaginem esse local cheio de gado, vacas e bois e a disputa destes por uma vaca! Nem em filmes de ficção imaginariam tal! Eu assisti sentado e fui o único espectador humano, pois as vacas tmbém foram espectadoras comigo. Paravam de comer para olhar!

 As formigas procuram rearrumar a sua nova maneira de viver.

O Curral do Pai ficou todo esturricado! E, do lado de lá, na montanha de Sistelo vêm-se no fundo daquela corga, carvalhos queimados.

E os coelhos? Imaginem que vi um cheio de vida, mesmo no alto da Pedrada! O Luis ia pisando o bicho que estava a bater uma sorna entre uma pedra e uma moita pequenas, isoladas, mesmo pertinho do marco geodésico.

O arco da incerteza. Imaginem que me passou pela cabeça que tinham montado aqui uma ratoeira para apanhar algum bicho. Afinal não era! Era uma vara de urze encurvada tanto quanto pode. Talvez por acção do incêndio! 

Por causa da dita hipotética ratoeira, o Luis foi dar com a toca de uma raposa, debaixo da urze onde nasce a Fonte das Forcadas. Era só sair da toca e beber a melhor água do mundo! Ainda colocamos a hipótese de se tratar da toca (covil) de uma loba. O esconderijo era perfeito, pois naquele local já há anos que ninguém bebe água e portanto, limitar-se iam a espreitar se havia fonte e como tudo estava destruído, seguiam. Era assim que eu fazia há anos.

Poderia caber lá uma loba com os seus lobinhos, pois o local da entrada era bem largo e ainda tinha restos de ervas secas, que devido à terra escaparam de arder. Raposa ou lobo não interessa. O animal que estava por ali, terá fugido para bem longe.

As raizes das urzes ficaram completamete esturricadas.

Mas a nossa velha fonte ainda existe. Lá está a água! Será que ainda um dia beberei naquela fonte? Acho que só se levar uma enchada e for eu a refazê-la. Quem sabe? 

A verdade é que na Corga ds Forcadas ainda corre água, mas também é verdade que o lobo já não se poderá lá esconder por muito tempo.

 Acesso mais fàcil das gentes de Rouças à Seida e vice-versa, para as suas brandas de Gorbelas e Junqueira.

Saímos da Fonte das Forcadas e iniciamos a subida à Pedrada com a Corga da Vagem à esquerda. 

Aqui haviam muitas urzes mas à medida que nos aproximávamos da Pedrada haviam zonas sem matos ou matos muito curtos que não arderam por já terem ardido antes. Sempre houve queimadas na nossa serra, mas nunca como esta!

Mais uma olhada ao início do rio Ramiscal. As águas das Forcadas torcem à esquerda e dirigem-se para o Ramiscal.

A mata do rio Ramiscal seria uma das mais velhas matas de carvalhos deste belo cantinho lusitano. Nos vales incrustados das montanhas, tal como na Brusca, também haviam carvalhos. Entre o monte de lá e o de cá, fica uma garganta que já atravessei em tempos. Até por baixo dos troncos das giestas, rastejando, rente ao solo,  tive de passar. Nunca mais esqueci esse dia. Foi uma certeza, então, aquela lenga-lenga de «quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos»!

 Mais uma lage de Nossa Senhora. Acho graça!

Do lado direito, no centro da foto, vê-se a ponta do muro do Fojo do Lobo do lado de cá, que vai até ao buraco. Aqui enfrentei eu, com 12 anos, por duas vezes, um lobo (pensava eu), mas era uma loba grávida. À primeira vez, ainda estava só, achei que ela ia saltar por cima de mim, mas voltou para trás. Da segunda, talvez salta-se se não fosse o tiro do canhangulo de carregar pela boca do Zé Ribeiro. Vi o lombo da bicha arrepiar-se todo, ficando com os pelos esticados como arames, devido à acção dos bocadinhos de ferro de um pote velho. Aqueles potes da sopa. Se fosse hoje, tinha-a deixado fugir para a Brusca que nunca mais a apanhavam. Essa loba foi meu pai que a matou, nesse dia. 

Na Seida, no meio dessa foto correm riachos de água que se dirigem para o rio Vez. Haviam noutros tempos, por lá, muitas trutas. Hoje não sei. 

A Lage de Nossa Senhora vista de cima, do lado da Pedrada. Aqui também não havia mato para arder.

E eis-nos no delicioso monte a que chamamos Pedrada, o pico mais alto da serra de Soajo a que  muitos nabos, do Norte e arredores, já chamam Peneda. Há malta que nasce apenas para deturpar as coisas. Não sabem fazer mais nada!

Agora o marco geodésico, com uma vassoura, em cima, mais pertinho ... Como raio foi parar ali uma vassoura? Eu levei uma bengala. Será que alguém, antes, levou uma vassoura a servir de cajado?

A torre que lá tinham erguido caída, mas ... 

... ao lado do marco geodésico, os meus amigos tatuzinhos (os bichinhos de conta), e alguns escaravelhos. 

 O Luis saltou logo para cima do marco geodésico e, daqui ...

 ... abraçou o mundo.

Este é o nosso Evereste, o marco da nossa existência, da nossa alegria. O centro do nosso mundo.

 

Agora vamos ver como fazemos a descida, mas antes de a iniciar, esta bela borboleta, Macho Machon, deseja-me boa viagem e que um dia regresse para ver esvoaçar na mesma ou com melhor esperança, a sua prole. Vamos descer da Pedrada pela parte detrás. Vamos ver as pedras que a filha de um rei ali mandou colocar para fazer um palácio! Nessa altura eu deveria andar por outros azimutes! Mas é uma lenda gira para explicar as tramas que a Natureza tece. 

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Pedrada - Da Coroa ao Muranho

Subir ao Alto da Pedrada, desde Adrão, rumo à Portela, Lameiras, Naia, Muranho, caminhando 9 horas sobre cinzas.

Trilhos? Por entre cada duas moitas das minhas Montanhas Lindas, há um trilho, esse sim, bem juntinho do céu.

Após uma primeira vista até aos horizontes visíveis das estradas do Mezio para Adrão e Paradela, do lado oposto à queimada, nada mais sabia além do que a vista alcançava. O que estava para lá do horizonte?

Houve que ir ver o que realmente se passava para lá dessa linha e em 24 de Agosto de 2006, três sortudos, decidimos atravessar para lá dela.

À primeira vista, tudo muito mal planeado, como sempre, seríamos 5 a caminhar rumo à Pedrada. Saí dos Arcos com o Jack, que tinha prometido ainda em França, ir comigo à Pedrada, tal como o fizera há 16 anos. Deitara-se às 4 horas da manhã e levantou-se às 6, quando eu estava a tomar o pequeno almoço. Quis levar o carro dele para não adormecer dos Arcos até Adrão. A caminho de Adrão, vimos nascer o sol nos picos da nossa serra.

Entrei em Adrão e fomos logo avisados que, dos cinco, dois tinham desistido e fomos à procura do 3º, o Luis, irmão do Joaquim Perricho que, noutros tempos, chamávamos "Pequeno", embora ele fosse da nossa altura. Era o pequeno, porque o primo dele era o Grande, exactamente por ser o mais velho. Indicaram-nos a casa onde estaria e veio o sogro à porta. «Tu és o Ventor»? Sou! «O Luis não está, pá, ficou na Barca, para a festa. Ele não me disse que ia à Pedrada»!

Resolvemos partir eu e o Jack que me perguntou qual o melhor sítio para deixar o carro. Eu disse que seria na Casa Abrigo da Coroa porque, subir à Pedrada, só teria interesse se caminhássemos o máximo. Deixamos o carro e partimos.

Quando passávamos na estrada, vi-mos o Alto da Derrilheira iluminado pelo meu amigo Apolo e apresentava-se lindo como se estivesse vestido da alvura branca de um rigoroso inverno cheio de neve, à moda antiga. Apolo iluminava as minhas lindas montanhas e reflectia-se sobre as cinzas.

O Alto da Derrilheira visto da Coroa, por cima do Poulo da Férrea. O Sol caminha montanhas abaixo e nós vamos caminhar montanhas acima.

Encostado o carro, só faltaram as "rainhas das montanhas" (como diz o filho do "Pequeno") dizerem-nos que não sabíamos para onde íamos. Elas tinham fugido de lá! O Inferno ainda lá estava, em cima. Uma das coisas mais belas pela minha vida fora, é ver as "rainhas das montanhas" deitadas entre os fetos, nos seus poulos preferidos.

Deixando para trás aquelas belezas, iniciamos a caminhada por um dos caminhos de Santiago que de Adrão se dirige para a Peneda, rumo a Santiago. Acredito plenamente que por aqui passou muito boa gente e não me admiraria nada se as bases desta calçada fossem romanas!

O Jack, pouco habituado a estas situações, tem aqui o seu Arco de Triunfo. Os louros, aqui, são as urzes e Adrão tinha (tem ainda?) bons loureiros lá no fundo da Assureira.

A calçada continua à nossa frente, um bom caminho de treino porque nos montes da serra de Soajo as pedras serão bem maiores.

Aqui, os romeiros que se dirigiam à Peneda, e outros caminhantes solitários ou apoiados em montadas, faziam baixar os calores de verão bebendo da sua água. É a Fonte do Ouro. Por alguma razão terá sido! Depois só no lado oposto da Portela junto a Tibo haverá água, ou, então, afastada do caminho.

Era aqui, no Fojo, que eu deixava o meu ZX dos Diabos, à sombra destas canecipes, onde ficava a ver-me subir até passar a linha do horizonte.

Desde a Coroa e depois destas canecipes até este cruzeiro, na Portela, foi uma boa arrancada, encosta acima, e logo ao nascer do sol já a transpiração tomava posse de nós.

Mas à vista deslumbrante das montanhas da Peneda, Rouças e Gavieira, só nos resta apreciar o que temos pela frente, ainda mal iluminadas, mas mesmo assim, lindas.

Voltei-me para o local de onde havia chegado e projectei o cruzeiro sobre a serra Amarela e o Gerês.

A Senhora da Peneda está lá ao fundo do lado direito e já me tinha dito: «olá Ventor»!

Voltados para terras de Espanha, podemos verificar que as nossas montanhas se prolongam nas deles e vice-versa.

Voltados para trás, lá está Adrão, ainda a dormir, mas já vimos, na passagem, gente a regar o milho, pouco, mas tão belo como outrora. 

Frente a Adrão estão as nossas outras montanhas, mais baixas, mas lindas também. Foi para lá que fugiram os garranos e as "rainhas das montanhas". É nesses montes que os gados que desceram da serra, fugindo ao inêndio, vão procurar sobreviver. Ali se trava, de momento, a luta, gado-lobos! Essas montanhas estão enquadradas por Adrão, Cunhas, Paradela e Várzea. Se fosse noutros tempos que a serra ardesse, as pessoas teriam de vender os seus gados ao desbarato. Hoje não sei. É muito menos!

A serra de Soajo era linda pelos gados que albergava no seu seio. As rezes de Adrão e de Rouças limpavam tudo por onde andavam. Hoje era só matos. Tojo, urze, carqueja, carrascas, fetos ... Mas se não tivesse ardido, o pouco gado existente ainda era suficiente para a embelezar.

Mas nós, os dois caminhantes, passamos a ser três! O Luis mandou a festa da Barca às malvas, meteu-se no carro e só parou nas Lameiras, onde nos encontrou. Lá está a viatura no meio dos fetos, como uma "rainha da montanha". Só que esta é de metal. Não come ervas.

Olhando em frente, à nossa direita, temos a Brusca toda queimada. Nos vales dessas rochas que eu já fiz a pé mais que uma vez e uma delas com o pai do Tomás, ainda miúdo, existiam carvalhos e entre eles, fetos com mais de dois metros de altura. Era uma zona de víboras e o local privilegiado da criação de lobos. Era ali que as lobas iam parir. Não sei se as víboras sobreviveram à asfixia dos fumos quando escondidas nos buracos.

Esta Montnha derrapou durante os milénios! Agora vamos subir isto tudo para passarmos para trás, mas continuemos ...

Além das flores e das borboletas, já temos ervas a rebentar. Para o ano, se tudo correr bem, já verei os garranos e as "rainhas das montanhas" a caminhar nas minhas montanhas lindas. Infelizmente, não terão as urzes para lhes fazer sombra e servirem de abrigo contra as moscas. As urzes, para os gados, são uma preciosidade, além de alimento.

As belezas das nossas montanhas não têm fim e para os que não as conhecem, cada lugarzinho é uma raridade! Dá a impressão que ali cabe o Mundo.

Como em todo o lado, também ali há a dualidade entre a vida e a morte. A luta pela vida também existe nas minhas Montanhas Lindas!

Há termos que já me escaparam e entre eles este - a Lage de Nossa Senhora! O Luis recordou-me que é assim que estes locais são recordados. Eles são locais sagrados, aqueles onde os nossos antepassados faziam imagens para comunicar com os vindouros e nossa Senhora protege esses lugares! Por isso, são as lages de Nossa Senhora. Explicação simples para coisas complicadas.

Por aqui passou o terror!

O Poulo da Ferrada, local onde mais modernamente, se passou a marcar o gado. Encostado ao primeiro poste, do lado esquerdo, está uma mota.

Mas nós não estamos sós nesta caminhada. Há mais uma viatura e uma mota no nosso caminho. No entanto nunca vimos ninguém. Devem de andar à procura de gado que falta, não vá estar esturricado pelo incêndio.

Vemos ao longe o Fojo do Lobo. Dois muros partem de locais distintos no meio da serra e que se encontram num buraco redondo, cheio de emoçoes e lutas entre homens e lobos.

Mais uma espreitadela para os montes de Tibo e da Peneda. Em Tibo, o fogo parou devido ao mato curto de um incêndio anterior e à humidade da chuvada que se aproximava. Os gados de Tibo ainda se safam lá por baixo.

O maior cortelho do Muranho. Os chamados "iglos de pedra", onde nossos avós se defenderam de frios terríveis, pequenos nevões e dos lobos maus.

Atravessamos o Poulo do Muranho e os seus cortelhos dirigindo-nos sempre para a sua fontinha de águas geladas.

Mas na minha caminhada terei sempre de homenagear os meus velhos amigos e não esquecer que os que sobreviveram passaram pelo inferno. «Já tenho muitas flores, Ventor e o nosso mundo vai renascer das cinzas» - disse-me esta borboleta!

Outra perspectiva mais alargada do Muranho e das encostas que nos levarão à Pedrada, depois de bebermos na sua fonte. Essa encosta por cima do Muranho é difícil de subir. O caminho é mau e a pausa para beber água, derruba-nos.

O Jack, estoirado de uma noitada de festas e de outras anteriores, deve achar que eu e o Luis sofremos de paranoia ao observarmos, tim por tim, todos os cantinhos das nossas montanhas. Ele não imagina o significado que elas têm para nós, mas o mundo na sua rodagem eterna obrigou-nos a seguir outros rumos e guardá-las apenas nos nossos corações, limitando-nos a esperar sempre estes momentos de encontro e nunca saberemos quando um deles será o último.

Outro cortelho. Estes cortelhos também serviam, noutros tempos, para guardar os vitelos das presas dos lobos, durante as noites.

Não imaginamos a idade destes cortelhos, mas serão muito velhos, concerteza.

O gado deitava-se no poulo de noite e de dia, sempre que queria descansar. Juntavam-se ali depois de encherem a barriga durante as manhãs, pela fresca, pelas encostas em volta, voltando para dormir ao sol ou entre as urzes se estivesse calor. Cheguei a ver por ali dezenas de cabeças de gado só em seu redor. Depois chegavam-se para matar a sede e descansarem com a barriga cheia de comer e de água. Numa das minhas últimas caminhadas ao Alto da Pedrada, vi ali 22 vacas deitadas. Agora imaginem nos tempos que as rainhas das montanhas ocupavam todos os recantos da nossa serra, durante os meses de verão.

Caminhando no Muranho nós, as nossas sombras e as sombras do passado!

O Jack ficou para trás a apreciar a paisagem. Ele sabe o meu lema. «Subir à Pedrada, sempre a olhar para trás»!

Sentou-se logo junto à fontinha. Ele nasceu na América mas o seu sangue é de Adrão!

O Luís está encantado com a sua garrafa de vinho tinto que irá colocar num belo frigorífico natural. Noutros tempos, não tínhamos por hábito passear garrafas de vinho pelas nossas fontes. Agora, o vinho e a cerveja são companheiros de qualquer caminhante. Só espero que as levem e voltem a carregá-las vazias, na volta. Conspurcar montanhas é um crime, ou deveria ser, e isso, nós, não fazemos. Até os biodegradáveis como cascas de laranja, bananas, coiratos do presunto e outros restos, devem regressar, para os que nos seguirem no encalço, encontrem tudo limpo. Além disso, agora, não há animais para os comerem. Nem os javalis lá ficaram!

Dentro de momentos estará gelada, à temperatura da água. Foram momentos de sacrifício e de beleza, pois é um sacrifíco caminhar numa serra queimada, mas nós sabemos da existência das suas belezas intrínsecas. Além disso, nós queremos a nossa serra viva! As nossas caminhadas servem para isso mesmo!

Recordar estes cantinhos fazem parte das belezas da nossa vida, porque nós fomos forjados como autênticos montanheiros.

Agora vamos iniciar a subida da encosta do Muranho, sobre cinzas. E lá por trás? ...

Mais uma olhada sobre a Naia!

Sobre um chão de cinzas e de amigos tostados pelas chamas. Eles terão sentido na sua aflição a traição dos homens. Traição pela incúria e pelo desleixo, senão pela malvadez.

Lá por trás? Vamos ver! Ainda temos muito que caminhar.

Vou continuar a mostrar-vos as montanhas da serra de Soajo, por cima.

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira