Voltei a sonhar com o Quico
Continuo sem explicações plausíveis para muitos dos meus sonhos.
Uma noite, nos anos 60, sonhei com a cidade de Lisboa toda destruída. Da Penha de França, eu observava Lisboa carbonizada. Prédios destruídos, queimados. A arma do crime, desse meu sonho, tinha sido a bomba atómica! Era a fruta da época. Caminhei, então, sobre ruas negras e apenas eu era o caminhante. Mais nada!
Algum tempo depois, voltei a ter um sonho semelhante mas, dessa vez, era, em Nova Iorque! Vi Nova Iorque (New York, se preferirem), toda arrasada. Só que, em New York, muita gente tinha sobrevivido! Eu caminhava nos túneis do metro e era um dos organizadores da defesa da bela cidade de New York. Mas, porquê, New York?
Não faço ideia nenhuma! São sonhos que, aparentemente, não têm qualquer explicação. Mas eu, por essa altura, tinha a mania de saber tudo. Estudava profundamente a "guerra fria" (talvez quente!), as guerras de África, a guerra do Vietname, o porquê da derrota dos franceses em Dien Bien Phu e, também, o porquê da entrada dos americanos, a prisão do General Sadam, em Argel. Enfim! Eu teria a cabeça cheia de lixos poluidores das propagandas da época. Da Rádio Moscovo, da "Rádio Moscovo não fala verdade", da Voz da Argélia, de tanta lixeira! E, muito especialmente, dos danos prováveis a serem causados pelas armas atómicas! Por isso, teria tido, nos meus anos de adolescente, esses sonhos terríveis.
Mas esta noite, tive mais um sonho terrível e, a minha cabeça não está cheia do lixo que a terá enchido, nessa época. Hoje, estou-me nas tintas para a guerra atómica e para todas essas palhaçadas que envolveram todo o mundo, na tal guerra fria.
Esta noite sonhei, mais uma vez, com a bela Lisboa totalmente destruída. Porém, não estava carbonizada! Lisboa era um amontoado de destroços. Os prédios estavam caídos e haviam madeiras retorcidas por todas as ruas. Eu morava, em Lisboa, numa das suas principais avenidas - a Av. Fontes Pereira de Melo e, não dava com a porta da minha casa e nem a avenida. Caminhei por várias ruas e avenidas, no meio de destroços e do meio dos destroços, saíu o meu Quico que veio ao meu encontro. Lindo como ele era!
A nossa amizade era tão grande que, com a ajuda do Senhor da Esfera, continuamos a caminhar juntos. Para mim, esta noite, estiveste vivo nos meus braços!
"Vamos à procura da casa, Ventor, não me abandones"! Peguei nele ao colo e disse-lhe: «nunca te abandonarei Quico, vamos os dois à procura da casa".
Caminhamos em todas as direcções. Havia um prédio semi-destruído onde o Quico queria entrar e dizia-me: "a casa era aqui, Ventor"! "Não era nada Quico! Aí não é de certeza. A nossa porta não era verde"!
Demos mais voltas e, na segunda passagem, o Quico voltou a querer lá entrar. «Aí não era a nossa casa Quico»!
Continuamos a nossa caminhada.
Descemos uma avenida onde as máquinas limpavam os destroços e vi um projecto de reconstrução, em que, duas avenidas iriam ser juntas para fazer uma só. Lá ao fundo, numas ruínas, havia gente e faziam grelhados para os trabalhadores das máquinas que limpavam tudo. O homem dos grelhados chamou-me, mas eu não liguei. Caminhei com o meu gato ao colo. Fomos atacados por sete cães grandes que me queriam roubar o Quico. O cão dominante queria-me agarrar o ténis do pé direito, mas eu fui falando com ele e sempre a ver para que lado teria de largar o Quico e que ele tivesse mais segurança. Debaixo daquelas madeiras retorcidas, nenhum cão iria apanhar o Quico e eu já tinha a meu lado uma tábua com pregos para dar cabo desses cães vadios. Mas o cão olhou-me, e disse: "tu és o Ventor!" Olhou-me fixamente, deu ao rabo, ladrou para os outros e todos nos deixaram. Continuei a minha caminhada, sobre aquelas madeiras, com o Quico ao colo, sentei-me sobre um madeirame, abraçado ao meu peluche vivo, observando toda aquela destruição e vindo da avenida apareceu-me o homem dos grelhados a dizer-me: "você está cheio de fome, desça que ainda há lá, em baixo, comer para si". «Não tenho dinheiro para lhe pagar, mas se me arranjasse algum comer para o meu gato, ficar-lhe-ei eternamente agradecido».
O gato olhou-me e disse-me: "só quero dormir, Ventor! São já noites e dias que não durmo à procura da Dona e a fugir aos cães. O que eu queria mesmo, era dormir"! Deitei-o numa placa de aparite, que saía de uma parede de madeira, limpei todas as madeiras em volta e, essa placa, ficou bem alta.
«Dorme que eu fico aqui e nenhum cão vai aí, em cima, buscar-te".
Entretanto, o amigo dos grelhados trouxe-me comer para o gato e colocou-o na placa a seu lado. O homem voltou a dizer-me para ir comer, não precisava de lhe pagar. "Venha daí"! Eu olhei o meu lindo gatinho a dormir, o comer a seu lado e, com calma, voltei a observar o que poderia interferir na sua segurança. E, sem mais nem menos, sem a ajuda dos bigodes do Quico, acordei.