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As Caminhadas do Ventor

... por aí

As Caminhadas do Ventor

... por aí

No cabeçalho, a ponte romana de Cangas de Onis, sobre o rio Sella. Uma maravilha por onde caminharam romanos, árabes e tantos outros.


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Um lago de Covadonga que retrata as belezas dos Picos da Europa, nas Astúrias


O Ventor saiu das trevas para caminhar entre as estrelas.
Ele continua a sonhar, caminhando, que as estrelas ainda brilham no céu, que o nosso amigo Apolo ainda nos dá luz e que o nosso mundo continuará a ser belo se os homens tentarem ajudar...

Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!

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Os Quatro Cavaleiros

São quatro!

São quatro cavaleiros negros que se aproximam de mim, em grande cavalgada. Já baixaram o elmo, ajustaram os capacetes, colocaram as lanças em riste e iniciaram a sua caminhada; já estão a experimentar o trote e, não vai tardar muito, utilizarão toda a velocidade que os cavalos negros lhes permitam.

Normalmente, quando falamos em quatro cavaleiros, só nos lembramos dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse e, na verdade, esses cavaleiros, estão metidos em tudo que tenha como objectivo final, o fim do mundo.

Mas, eu já desmascarei esses quatro que se perfilam, contra mim, contra o meu Universo, numa luta total.

Sim, porque todos nós temos o nosso Universo! Um Universo onde as lutas se vão desenrolando, durante a nossa caminhada até ao desfecho final. Muitos, desaparecem, mesmo sem sequer encararem um dos quatro cavaleiros. Chama-se a isso, o azar!

Outros, acabam por enfrentar um, dois, três ou, mesmo, os quatro cavaleiros. Uns mais lentamente, outros mais depressa, saem sempre derrotados numa dessas lutas que se vão desencadeando nesse universo em que somos transportados todos os dias - o nosso universo!

O Senhor da Esfera, definiu para cada um de nós, o nosso universo pessoal, também o nosso universo mais abrangente, onde cabem todos aqueles que nos apetece que caminhem a nosso lado e também aquela Esfera alargada, onde os cavaleiros podem caminhar connosco, juntos, a passo, a trote, em cavalgada!

Por mim, já há alguns anos que enfrento, sem alardes, esses quatro cavaleiros que fazem parte da nossa Esfera Global e que, o Senhor da Esfera, mesmo que queira ou, mesmo que quizesse, por nós, nada pode fazer. Esses cavaleiros fazem parte do nosso destino, em todos os dias da nossa caminhada!

Eles estão danados comigo porque eu identifiquei-os, coloquei-os na mira da minha lança e informei-os que estou preparado para o combate. Isso eles não me perdoam! Nunca me perdoarão!

 

 

Por enquanto só mostro o meu estandarte, aos meus inimigos

Tal como eles, os cavaleiros negros, eu apetrechei-me dos pés à cabeça, equipei-me e preparei-me para um braço de ferro com eles. Um contra quatro! Já coloquei o meu capacete, já baixei o meu elmo, já levantei a minha lança e, como não podia deixar de ser, estou preparado para uma luta sem quartel.

Assim, perante o mundo, vou identificar, um a um, os meus inimigos!

Reumatismo, o primeiro cavaleiro negro a atacar o Ventor! Creio que, exactamente, por ser o primeiro, deixarei para ele o combate final!

Colesterol, o segundo cavaleiro negro a atacar o Ventor. São ameaças sobre ameaças. Ele vai cair aos olhos desse outro cavaleiro a que dei o nome de Reumatismo.

Tensão Arterial, o terceiro cavaleiro negro a tentar acomodar-se nas minhas trincheiras mas, a minha lança, esburaca todos os buracos onde ele julga poder acomodar-se. Com este cavaleiro, a luta já é sem quartel. Trava-se nas ruas, nas esquinas, nos supermercados, nas despensas, nas cozinhas, nas ... Com ela, a disputa já é de vida ou de morte.

"Diabrete", o quarto cavaleiro negro que se prepara para o combate final, tal como eu. Este cavaleiro, tal como o primeiro, apresenta-se completamente armadilhado e, até no elmo utiliza radares para tentar penetrar mais profundamente nas minhas trincheiras de defesa.

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A minha lança - a lança do destino

Estes cavaleiros estão espavoridos porque se sentem detectados pelas defesas do Ventor.

Porém, o cavalo usado pelo Ventor, neste momento, é cinzento, quase indefinido e, montado nele, o Ventor vai travar uma luta sem quartel, contra os alazões negros utilizados pelos seus inimigos.

Antar? Onde  andas tu Antar? Tu que sempre me tens valido em sonhos terríveis! Agora, Antar vai ser a sério! A luta vai ser real e sem quartel!

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Diálogo no Chiado

Na nossa caminhada pelo Chiado a 11 de Julho, p.p., concluímos que o tempo foi pouco.

Vindo da Praça Camões, entrei na Igreja dos Italianos, a nossa Igreja do Loreto, do estilo Barroco tardio, pela porta da Rua da Misericórdia, conversei com o Senhor da Esfera e saí para o Largo Do Chiado, dando de caras com a Igreja da Encarnação (inaugurada em 1708, destruída pelo terramoto de 1755 e reconstruída, em 1785). Então, recordei-me das conversas que tive com os "sabidos" no decorrer dos anos, sobre esta bela zona de Lisboa, quando eles me falavam de que, por aqui, entre estas duas igrejas, passavam as muralhas de Lisboa, mandadas construir pelo Rei D. Fernando (séc. XIV) e, ficava, aí, a entrada de Lisboa, a porta das muralhas, conhecida como a porta de Santa Catarina.

 

Camões a observar o Largo do Chiado pelo local, entre as igrejas do Loreto, à sua esquerda e a igreja da Encarnação à direita, onde ficava a Porta de Santa Catarina

Dentro das portas de Lisboa, desta porta de Santa Catarina, ficava a bela cidade de Lisboa, a cidade fina, cheia de burguesia, de nobreza, da chamada gente de bem mas, fora das portas, do local onde hoje fica a Pç. Camões, para cima, ficava o Bairro Alto, já então, uma zona do chamado povo "ralé", de gente da boémia, por onde existiam tabernas e mulheres da vida (umas libertárias) que, então, ajudavam a animar o bulício de fora de portas, em volta da cidade amuralhada. Ainda hoje, a zona do Bairro Ato, continua a ser uma zona de folia. 

Junto à velha Igreja do Loreto (a tal Igreja dos italianos), uma devoção a Nossa Senhora do Loreto, trazida até Portugal pelos italianos, mercadores venezianos e genoveses, cerca de 1200 A.D., ficava uma das torres da porta e a outra torre ficava do lado oposto. Com o tempo, essas torres e muralhas foram sendo destruídas e a torre norte começou a ser destruída na reconstrução da nova Igreja do Loreto, em 1785, 30 anos depois de ter sido destruída pelo terramoto de 1755. Ainda hoje, se podem ver no Centro Comercial Chiado, uma amostra dessas muralhas de D. Fernando.

Pessoa e o Poeta Chiado, observam do local que já esteve dentro das Muralhas Fernandinas, o Camões do lado de lá da porta de Santa Catarina, o lado boémio

Pensando em tudo isso, comecei a ouvir algum alarido à minha esquerda. Ao olhar para o sítio de onde saía o alarido, vi, no meio daquela gente toda, uns sentados nas esplanadas, outros caminhando em todos os sentidos e outros ainda, a tentar observar o que se passava mas, na verdade, a única coisa que sobressaía, era o braço do poeta Chiado, um pouco levantado, a dar as boas-vindas ao Ventor que se aproximava.

"Pessoa! Pessoa!... Nandinho"! - gritava o poeta Chiado, o poeta António Ribeiro, nascido, em Évora, e que foi contemporâneo do grande Luís de Camões. Esta estátua foi levantada, em 1925, pela câmara de Lisboa, em homenagem a este mestre do sarcasmo, na mais nobre zona de Lisboa. Ele ficou conhecido como o poeta Chiado, por ter morado ali, pois toda aquela zona, se chamava Chiado (zona de chiadeira, barulhenta, bulício...) até que, no séc. XIX, deram o nome de Rua Garrett, em homenagem a esse grande escritor dessa colectânea poética - Folhas Caídas - e das Viagens na Minha Terra, deixando ficar, o Largo do Chiado.

O Poeta Chiado, tenta explicar ao Fernando Pessoa, como é belo dar alguns piropos às mulheres lindas, sejam elas estrangeiras ou nacionais

 - «O que foi pá»? Perguntou Pessoa. «Já estou farto de te ouvir de noite e de dia. Porque raio se lembraram de me colocar aqui? Eu sei que a culpa foi minha! Falei com um bicho-careta que gostava de ficar aqui às portas da Brasileira e da Havanesa, porque sempre seria melhor encontrar aqui os meus amigos de outros tempos, mesmo os que não foram do meu tempo porque, é aqui o ponto de encontro de todos aqueles que deixaram "mensagens" a Portugal. Mensagens que pouco valeram, mas deixaram! Nem à Mensagem do Grande Camões (Lusíadas e, não só), nem à minha grande "Mensagem" ligaram importância. isto até me parece um país de surdos e cegos. Nem ouvem, nem lêem»!

"Está bem, Nandinho! Já sei que agora, mas já é tarde, preferias ter ficado junto da tua velha porta ali atrás, frente ao teatro S. Carlos. Mas lá acabavas por ficar sem alma, pois morrias de solidão. Aqui, eu sei que estás bem vivo, animas a clientela destas montras todas e sempre vais esperando que o Eça, venha do seu cantinho, no Grémio Literário, beber a bica e comprar o charutinho para uns dedos de conversa.

E, quando eles andam por aí, procurando a salvação, sempre podes ir observando a minha técnica do piropo com estas mulheres lindas que por aqui passam, me ouvem, sorriem ou ficam carrancudas e até há algumas com esperança de me fazerem descer daqui à força mas, isso requeria muito trabalho e não vão nisso. É a minha safa"!

Fernando Pessoa, faz um gesto, com a mão, ao poeta Chiado, a tentar informá-lo que já está farto da conversa dele 

"Eu sei que tu te envergonhas com as minhas conversas sarcásticas e chegas a recear que eu volte para o Aljube. Tem calma!

Eu só insistia a chamar-te porque daqui de cima já vi que o Ventor caminha ao nosso encontro, depois de conversar com o Camões e podes crer que quando ele sair com aquela nova carroça puxada por muitos cavalos esquisitos, vai acabar por se meter com o Eça, ao subir a Rua do Alecrim. Dirá mal do bife do Entrecôte e continuará rumo à Amadora, depois de passear o seu malmequer pelo Chiado e nos dizer que continuam a sonhar com isto"!

«Está bem! Já sei que o Ventor se vai sentar à minha mesa e o seu malmequer também, mas tu chateias-me e eles não! Ainda meto uma cunha ao Ventor para ver se arranja uma mordaça para te tapar a boca».

"És um desmancha prazeres, Pessoa"!

A conversa daqueles dois acabou por se agudizar e eu acabei por debandar. Mas não sou capaz de passar no Chiado e não ligar àquele poeta Fernando Pessoa e àquele outro que nasceu em Évora e lhe deram o nome de António Ribeiro, depois conhecido como poeta Chiado.

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Chiado, rumo à Garrett

Na nossa caminhada de ontem, 11 de Julho, dia de S. Bento, pelo Chiado, foi, como foi dito ontem, uma caminhada de sonhos. Descendo do Largo do Calhariz, rumo ao Chiado, cada passada que era dada, ela trazia-nos recordações do nosso passado, quer individual, quer colectivo. Há 50 anos que eu caminhava por ali e, mais uma vez, recordava as minhas primeiras passadas por Lisboa, onde o meu guia, era, muitas vezes, o campanário da Basílica da Estrela nos meus rumos à Av. Infante Santo. 

Mas não me recordo há quanto tempo está, por ali, esta peixaria a que chamaram Sea Me. Lá estavam a animar as vistas, uma bóia e, mais preciosa que a bóia, a representação artística de uma imaginada varina que, se fosse real, provavelmente, não voltaria com peixe para casa, nem, certamente seria necessário que alguém se socorresse da bóia, pois como se pode ver, ela teria argumentos para não deixar que algum imprecavido "surfista de solas" das belas ruas da velha Lisboa, se perdesse a lançar os olhos sobre a bóia porque a salvação estaria ao lado.

 

Mais abaixo, ao entrar na Pç. Camões, por onde  já tinha passado, à minha esquerda, lá estava uma sucursal do Millennium BCP que, em 1989 era uma das revolucionárias sucursais da então chamada Nova Rede e que para mim é, desde essa altura, protogonista duma das histórias que moldaram parte da minha vida.

Num dia desse ano pagaram-me um empréstimo com um cheque do velho BPA - Banco Português do Atlântico. Era um rectangulozinho de papel que valia, então, os chamados 100 contos.

Para dar sumiço a esse papelinho, entrei na Caixa Geral de Depósitos e disse ao empregado que me atendeu que queria abrir uma "conta poupança habitação" com aquele cheque. O empregado, daqueles trabalhadores rançosos que dá cabo da crista a qualquer galo, tratou de tudo com o afinco que entendeu e, no fim, vira-se para mim e diz-me: "agora, tem de ir ao balcão do BPA, aqui na R. do Ouro e trocar esse cheque por dinheiro e trazê-lo para depositar nesta conta.

Fiquei abismado!

«O senhor acha-me com cara de tanso, igual a si e aos seus patrões, para me obrigar a esperar este tempo todo a abrir uma porcaria de uma conta e diz-me agora que tenho de ir ao BPA transformar o cheque em dinheiro e trazê-lo para cá»?

Peguei na caderneta da Caixa Geral de Depósitos, rasguei-a toda e atirei-lha para cima do balcão à sua frente e, quando ele ia para me dizer qualquer coisa .. «não me diga nada. Já saio daqui enojado com esta coisa»!

Nesse tempo o BES, não tinha Conta Poupança Habitação, subi à Pç Camões, entrei aquela porta (então verde), dirigi-me ao balcão e disse ao empregado. "Quero abrir uma Conta Poupança Habitação mas, se me vai dizer para ir ao BPA, com o cheque e trazer o dinheiro, é melhor dizer-me já»! "Era o que faltava! Você abre a conta com o cheque. Se fosse ao BPA buscar o dinheiro, ainda podia ser assaltado pelo caminho"!

Que diferença! Tantas foram as inovações que a então Nova Rede fez!

Depois de umas conversas com o Fernando Pessoa, uma olhada à Brasileira do Chiado. A mesma visão de há 50 anos!

 

A bica na Benard, o enrolamento entre esses pontos chave do Chiado, para baixo, para cima, para a direita, para a esquerda, naquelas passadas cuja sequência as transformam numa caminhada ...

 

O bulício do meu "malmequer" com o Paris em Lisboa e, no entretanto, a minha observação pelos candeeiros de velhos tempos e pelas fachadas dos velhos prédios do Chiado debruçados sobre as ruas a observarem quem passa e, certos de que quem passa também os sabe observar. Lá está a velha barcaça que transportou o corpo de S. Vicente, guardado pelos corvos, os meus amigos Vicentes cheios de simbolismo na reconstrução da Lisboa pós mourisca.

 

Uma olhada para o lado e eis uma das grandes livrarias de Lisboa - a Livraria Sá da Costa. Cheia de histórias, onde, noutros tempos, eu bisbilhotava todas aquelas prateleiras, sombrias, à procura de livros que me contassem histórias e me agradassem para, mais tarde, na primeira oportunidade, levantar nas bibliotecas municipais porque o tempo e o dinheiro eram poucos e não podiam ser dispersados em livros sem interesse. Deixo aqui esta montra da Sá da Costa, com motivos que se perdem no tempo. Essa mala podia ser a minha mala de outros tempos!

 

Mas havia um motivo mais forte, mais abaixo e do lado direito!

Lá vai o meu "malmequer" toda entusiasmada, preparada para entrar na porta a seguir à esquina. Uma porta que faz parte da sua vida e da minha, tantas foram as vezes que lá entramos juntos ou separados. Ali dentro, ela foi uma princesa, até uma rainha! Ali, quando a Livraria Bertrand era uma grande Livraria (instituição ex-líbris do Chiado e de Lisboa) e chegou a dispor de uma Galeria d'Arte, era o meu malmequer responsável por essa actividade, então bem dura. Já estávamos nos tempos escuros que a revolução de Abril nos trouxe. Desempregados, falta de dinheiro para pagar os ordenados, trabalhos mal distribuídos, incertezas de continuar a comer no dia seguinte ...

 

Mas foi dentro desta casa que ela conheceu artistas, ministros, embaixadores, presidentes e todos os demais bichos-caretas com instinto e dinheiro pela Arte e pelos livros. Foi dentro desta casa que eu ouvia atributos elogiosos ao seu trabalho, à sua dedicação, à sua simpatia, ... para todo o público.

"Desculpe-me, tenho-o visto tão entusiasmado de volta dos meus quadros, quem é o Senhor"?

«Sou marido da moça que acabou de sair por aquela porta»!

"Desculpe-me, mais uma vez, foi o sorriso que ela lhe dirigiu que me levou a fazer-lhe a pergunta. Ela é um encanto de pessoa. Sempre entusiasmada com o trabalho, dedicada para toda a gente. Dou-lhe os parabéns. Tem uma esposa que é um encanto"!

Alice Jorge (foi esposa de Júlio Pomar) era o seu nome. Ofereceu-nos um quadro e disse-me que nunca ninguém lhe fez uma dedicatória tão brilhante como a minha. Engraçado recordar!

Também o Pintor Louis Durdil, meu companheiro de algumas caminhadas, cafés e conversas pelo Chiado, me dizia que adorava o meu malmequer e nos convidou para ir ao seu local de trabalho para fazer o esboço da pintura que eu queria. O Senhor da Esfera não o deixou! Entre outos, tive o prazer de, na 6ª sala, conversar durate um tempinho com o então Presidente do Brasil, José Sarney  e sua esposa, sobre o seu Brasil e os seus Moribondos de Fogo ....

Gostava de falar aqui de toda essa gente, pelo menos, os que formam a pinga na ponta da lança. Dos pintores Nuno Barreto, Nadir Afonso, ... sei lá!

Passei por isso tudo, ontem, na Bertrand!

Mas não era a nossa Bertrand. A nossa Bertrand era linda! Os livros arrumados em estantes e mesas clássicas de madeiras de tantos anos, o seu chão em mosaicos de tom vermelho... As suas paredes que não estavam cobertas pelas estantes, mostravam-nos as suas pedras despidas, sempre que as olhávamos, contavam-nos histórias de séculos! Na Galeria Bertrand, havia uma chaminé fabulosa, feita de pedra que encantava toda a gente. Até a escadinha de pedra que dava acesso ao quintal, era encantadora. Ontem passei entre aquelas salas e notei, também, a falta dos imponentes arcos de pedra que faziam a comunicação entre as salas. No lugar dos musaicos, encontrei alcatifas, essa ciganada de chão que, nas circunstâncias, não interessa a ninguém a não ser, aos vendedores de alcatifas.

Ontem não vimos nada do que queríamos! Vi as seis salas da Bertrand, forradas de alcatifas, de estantes e mesas, cheias de livros, onde não cabe uma formiga, onde não se vê uma pedra, um pedaço de parede. Que pena!

Estamos a falar de um espaço (livraria), reconhecido pelo Guinness como a Livraria mais antiga do mundo em actividade desde 1732. Foi fundada por Pedro Faure, abrindo portas na Rua Direita do Loreto, em Lisboa.

Em 1755, Pierre Bertrand, genro de Faure, devido ao Terramoto de Lisboa, foi instalar-se junto da Capela de Nossa Senhora das Necessidades. Em 1773, a Bertrand voltou a abrir as portas na reconstruída baixa pombalina. Ontem recordei nomes que, pelo tempo fora, fui ouvindo falar. José Fontana (que se suicidou lá dentro, quando gerente e soube que tinha sido apanhado pela tuberculose), Aquilino Ribeiro, Fernando Namora, Alexandre Herculano, Ramalho Ortigão, ... e outros.

Soube hoje que, actualmente, a Livraria Bertrand é uma empresa do grupo Porto Editora.

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Chiado, uma Caminhada de Sonhos

Caminhar, silenciosamente, nas calçadas do Chiado, é um facto real, tanto tempo depois! Sem canadiana, sem canadianas, sem dores, com a bondade do Senhor da Esfera que, parece, também caminha, em socorro do Ventor, em socorro da sua flor, do seu malmequer!

Foi isso que aconteceu hoje!

Por necessidade de clarificação com uma empresa de seguros da CGD, tivemos de nos deslocar ao Calhariz e, por essa razão, de fazer uma visita à nossa Lisboa.

Deixei o meu malmequer no Calhariz, subi a rua da Rosa, até ao Príncipe Real, voltei a descer a Rua da Misericórdia e levei, a nossa companheira de quatro rodas para um túnel de grilo, até aos confins, subterrâneos do Parque sob a Pç Camões. 

 

 

Estátua de Camões, na Pç. Camões, em Lisboa

Claro que, ao sair do buraco, o meu amigo Luis, o Luis de Camões, de espada na mão, descida rumo ao solo, quase como um romano, bateu com a mão esquerda no peito e, todo entusiasmado, disse: "Salvé, Ventor"!

Para mim, é também com todo o entusiasmo que cumprimento o grande Camões! Subi, a pé, até ao Calhariz, depois de fotografar o Camões e, com uma alegria bem grande, observei, caminhando, um pouco apressadamente, a Rua Loreto e quando observava a Rua da Atalaia, tocou o meu telemóvel. "Luis, onde estás? Eu já tratei de tudo"! «OK, eu estou a tratar»! "Estou à porta"! «E eu aqui estou! Levei o carro para as caves do Inferno e, cheguei»!

Parecia-me que estava acabado de chegar a Lisboa, cinquenta anos atrás. Recordei a Rua da Atalaia e, com ela, o meu amigo Firmino da Quelha de Paradela. Quando ia lá, às vezes, almoçar nunca me deixava pagar. Foi por isso que nos vimos menos vezes. Mas, recordando o Firmino, fiz a minha alma caminhar na Rua da Atalaia, mais uma vez, hoje.

"Podíamos ir até à Rua Garrett"?

«Tens coragem para isso»? "Sinto que sim"!

Descemos a Rua do Loreto e, cheios de esperança, fomos visitar o Senhor da Esfera, na Sua casa italiana - a Igreja dos Italianos. Quando saímos, foi ela que mandou. Atravessamos o Chiado e logo o seu poeta popular nos fez uma vénia e nos diz: "bem-vindos, bem-aventurados"! Os cumprimentos da ordem!

 

Igreja dos italianos, no Chiado

Despedimos-nos do Senhor da Esfera que sorridente, nos disse. «Vão vão. Eu também vou convosco»! Observar o Chiado, de pé no chão, sem canadiana, de facto, só com a boa vontade Dele! Foi quase um sonho! Descobri que tantos anos de Chiado, tanta passeata, foram um refrescar de alma e, até as pedras da calçada, dos passeios, sorriam para nós. As montras bonitas sorriam também e, a vontade de entrar dentro era enorme. Olhar as coisas, tocar-lhes, pegá-las, pegar no cartão, pagar e andar ... como seria bom! Mas não. Ainda é cedo!

 

 Montra da Vista Alegre, no Chiado

Ainda é cedo para apreciar as belas chávenas, pratos, cálices, taças, ... da Vista Alegre! Ainda é cedo para fazer compras no Chiado. Ainda é cedo para abusar da bondade do Senhor da Esfera! Mas, olhar, são apenas mais uns poucos minutos sobre a Princesa da Discórdia - a coluna lombar desavinda. E, por isso, o melhor era olhar e, se possível, apoiar a mão na montra para amortecimento.

 

Uma mansão do Senhor da Esfera - a Sua casa dos italianos em Lisboa

Amortecimento das pressões e respeito pela bondade do Senhor da Esfera. Não esquecer aquele belo "salão", onde a esperança não nos larga e nos liga a Ele. Cheio ou vazio, cada um se apresenta segundo a sua maneira de encará-lo. Nós damos-nos bem com ele e, temos esperança que Ele também connosco!

 

 

Uma troca de mensagens com Fernando Pessoa, no Chiado, em Lisboa, frente à Brasileira

Depois da festa dos cumprimentos com o poeta Chiado e de assistirmos aos seus piropos às estrangeiras e portuguesas que passavam, fomos rodando, no silêncio, sobre a calçada, aproveitar para aliviar a tal pressão e ter uma conversinha com o nosso amigo Pessoa. Aproveitar, exactamente, para uma troca de "mensagens". Ele falou-nos do seu tempo e da sua Mensagem e, nós, do nosso tempo porque, ele, apenas apanha um ligeiro cosculhar, um cheirinho do que vê passar-se pelas calçadas do Chiado, mas Portugal está muito para além do Chiado!

 

Uma espreitadela na montra de Paris em Lisboa

Depois fomos beber a bica na Pastelaria Benard, como antigamente, o caminhar na Rua Garrett, observar a montra do Paris em Lisboa, olhar bem os preços, as belezas das toalhas de mesa, de todas aquelas belezas, o encostar ao barão para retirar carga à molestada.

 

Reconfirmar o obejectivo e preparar para uma entrada

Depois mais um recuo, um ajustar de óculos, uma confirmação da forma e da cor e também do valor representado por esse fanático de todos os dias - o euro - e as belezas que ele representa. "Não"! «Não o quê»? "Vou ter de entrar"!

Entrou, vasculhou tudo, subiu as escadas ao andar de cima. Afinal, os corrimões devem servir para alguma coisa! Ela foi e eu fiquei. Nestas coisas somos antípodas um do outro. Ela subiu, vasculhou e eu voltei ao poeta Chiado, ao Pessoa, à Livraria Sá da Costa. Fui fazendo tempo fotografando tudo. Afinal, a mim dizem-me pouco as toalhas de mesa, os guardanapos, os panos de tabuleiro ... A mim, basta-me uma mesa sem toalha. Pode muito bem ser um rojão no espeto, na Corga da Vagem, no Muranho, nas Forcadas, no Olho do avô ... e, a toalha, pode ser a relva seca, queimada pelo calor de Julho, de Agosto, de Setembro. Pode, também, ser uma sandes, a meias, na bela mesa de bate-papo do Fernando Pessoa.

Mas, mesmo assim, depois de tão bela caminhada, com passagem pelas seis salas da Livraria Bertrand, ainda arranjou força para, ao jantar, fazer um borrego assado no forno e pô-lo numa toalha daquelas que ela disse que teria de ver o que tinha para voltarmos ao Chiado e então sim! Depois da avaliação do stock, o euro giraria sobre as toalhas do Paris em Lisboa.

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira

Corvos, amigos de volta

Foi na 4ª feira passada!

Tal como no ano passado, no mês de Julho, precisamente a 11, dia de S. Bento, lá estavam os meus amigos que, mais uma vez, voltaram a construir uma vivenda, a sua vivenda especial, nos velhos pinheiros de Belém. Eles sabem que o Ventor, cada vez mais velho, gosta de todos os seus amigos e os corvos não serão excepção e sabe que eles, também gostam dele.

 

 

O papá Vicente veio aos pés do Ventor buscar o pão

Mas continuo a pensar que a vida é um corredor de fenómenos!

No domingo à noite andei aqui por esta janela e entre a meia-noite e a uma, fui-me deitar. Como o sono não chegava, comecei a lembrar-me que estava no mês de Julho e estaria perto da data dos meus amigo negros. Seria que os meus amigos do ano passado, depois de irem embora, pois nunca mais os vi, teriam voltado a Belém para visitarem a sua velha vivenda?

Lembrei-me deles e pensei como gostaria de mais uma vez voltar a caminhar com eles! No dia seguinte, fomos beber o café, no sítio do costume e depois, levaria por aqui perto, o meu malmequer, para tentar fazer uma pequena caminhada, para, assim, tentar cumprir, dentro das suas capacidades, a prescrição médica. Tentar andar o quanto possa. Vamos aqui, vamos ali ... aqui não porque não presta, ali não porque é longe mas, diz-me ela, pode ser Belém! O primeiro pensamento que tive foi este: "está feito! Nada me garante que não possa voltar a encontrar por lá os meus amigos do ano passado! Mais uma vez, S. Vicente e S. Bento quiseram fazer a vontade ao Ventor.

 

 

O filhote do Vicente não deixou de observar o Ventor

Mal cheguei, observei gente sem fim junto à bela Torre de Belém uma ex-líbris da nossa Lisboa. Afastados e desempenados, caminhavam no meio das ervas secas, torradas pelo sol, três "Vicentes"!

Deixei o malmequer e a mãe para trás, tirei a máquina e caminhei, devagar, ao seu encontro. Ao aproximar-me, só disse isto: "olá, Vicente, voltaste? Já tens família nova? Já ... «Oh, Ventor! Nunca mais te vi por cá. Depois de olhar todo aquele Maralhal e verifico que não andas por cá acabo sempre por me afastar». O corvo, o meu amigo Vicente, aproximou-se de mim e ficou a cerca de 2-3 metros. O seu filhote olhou-me e afastou-se, o seu "malmequer negro" também se aproximou e, por fim, o mais pequenote, acabou por se aproximar também e lá fiquei eu entre os três corvos, como se estivesse entre as galinhas, nos caminhos de Adrão, clicando em todas as direcções. Caminhamos em todos os sentidos, eles iam apanhando isto e aquilo e, por fim, coloquei-me junto de um pedaço de pão, bem perto para ver a reacção do Vicente. Ele olhou-me dirigiu-se para mim em passada bem estugada.

 

O Vicentinho continuou a fazer as suas observações

Levantou a cabeça, fixou-me nos olhos e eu disse: "podes levar Vicente, tem bom aspecto"! Ele lá deu mais umas três passada, pegou o pão no bico e sem fugir, levou-o, com toda a calma, para junto do filhote. Houve uma senhora que se aproximou de mim, tirou umas fotos mas, ao aperceber-se que o meu amigo fez menção de se afastar, decidiu ser ela a fazê-lo para nós os quatro  ficarmos, por ali, à vontade. Foi uma festa de cerca de meia hora ou mais! Por fim, um preto que tentava almoçar uns petiscos, tentou dar-lhe alguma coisa mas eles não se aproximaram. O pequenote levantou voo para um carvalho e o preto fez-me sinal a dizer-me onde estava. O pequenote não gostou da denúncia e foi para cima de um poste de electricidade. Os pais ainda ficaram por ali e, encantados com a nossa caminhada, foram apanhando tudo e comendo.

 

 

Chateado com o Ventor subiu para um pinheiro e depois o carvalho

Além de boas conversas que tive com a família Vicente, o meu amigo disse-me que o filhote não era bem humorado. "Ainda há dias nasceu, Ventor, e já é contestatário. Não acredita em nada que eu lhe digo. Já lhe falei em ti e contei-lhe a história da Arca de Noé, ... aquela história da pomba ir à procura da primeira terra que aparecesse sobre a água. Ele diz-me que tudo isso não passa de uma treta! Já lhe disse que o primeiro elemento que se ofereceu para ir à procura de terra foi um corvo, mas Noé, achava que a pomba tinha mais possibilidades de regressar e preferiu a pomba. Por isso, os nossos dois antepassados, que não foram capazes de fazer o que pretendiam, foram os primeiros a aplaudir o gesto voluntarioso da pomba. Aquele gajo, nem parece meu filho, Não acredita em nada. Tens de conversar com ele mais tempo, Ventor"!

 

 

A madame Vicente pede desculpa ao Ventor pelo filho irrequieto

E assim nos despedimos. Os Vicentes partiram e o meu amigo Vicente, bem robusto, disse-me que voltaremos a encontrar-nos porque, S. Bento, S. Vicente, o Senhor da Esfera, ele e o Ventor assim quererão.

Boa sorte amigo Vicente. Toma conta do teu filhote que, com sorte, ainda há-de caminhar, por aqui e, terá grandes conversas com o Ventor.

 

 

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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira