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As Caminhadas do Ventor

Pelos Trilhos da Memória

As Caminhadas do Ventor

Pelos Trilhos da Memória

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O Ventor saiu das trevas para caminhar entre as estrelas.
Ele continua a sonhar, caminhando, que as estrelas ainda brilham no céu, que o nosso amigo Apolo ainda nos dá luz e que o nosso mundo continuará a ser belo se os homens tentarem ajudar...


Depois? Bem, depois ... vamos caminhando!


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12.07.11

Chiado, rumo à Garrett


Ventor

Na nossa caminhada de ontem, 11 de Julho, dia de S. Bento, pelo Chiado, foi, como foi dito ontem, uma caminhada de sonhos. Descendo do Largo do Calhariz, rumo ao Chiado, cada passada que era dada, ela trazia-nos recordações do nosso passado, quer individual, quer colectivo. Há 50 anos que eu caminhava por ali e, mais uma vez, recordava as minhas primeiras passadas por Lisboa, onde o meu guia, era, muitas vezes, o campanário da Basílica da Estrela nos meus rumos à Av. Infante Santo. 

Mas não me recordo há quanto tempo está, por ali, esta peixaria a que chamaram Sea Me. Lá estavam a animar as vistas, uma bóia e, mais preciosa que a bóia, a representação artística de uma imaginada varina que, se fosse real, provavelmente, não voltaria com peixe para casa, nem, certamente seria necessário que alguém se socorresse da bóia, pois como se pode ver, ela teria argumentos para não deixar que algum imprecavido "surfista de solas" das belas ruas da velha Lisboa, se perdesse a lançar os olhos sobre a bóia porque a salvação estaria ao lado.

 

Mais abaixo, ao entrar na Pç. Camões, por onde  já tinha passado, à minha esquerda, lá estava uma sucursal do Millennium BCP que, em 1989 era uma das revolucionárias sucursais da então chamada Nova Rede e que para mim é, desde essa altura, protogonista duma das histórias que moldaram parte da minha vida.

Num dia desse ano pagaram-me um empréstimo com um cheque do velho BPA - Banco Português do Atlântico. Era um rectangulozinho de papel que valia, então, os chamados 100 contos.

Para dar sumiço a esse papelinho, entrei na Caixa Geral de Depósitos e disse ao empregado que me atendeu que queria abrir uma "conta poupança habitação" com aquele cheque. O empregado, daqueles trabalhadores rançosos que dá cabo da crista a qualquer galo, tratou de tudo com o afinco que entendeu e, no fim, vira-se para mim e diz-me: "agora, tem de ir ao balcão do BPA, aqui na R. do Ouro e trocar esse cheque por dinheiro e trazê-lo para depositar nesta conta.

Fiquei abismado!

«O senhor acha-me com cara de tanso, igual a si e aos seus patrões, para me obrigar a esperar este tempo todo a abrir uma porcaria de uma conta e diz-me agora que tenho de ir ao BPA transformar o cheque em dinheiro e trazê-lo para cá»?

Peguei na caderneta da Caixa Geral de Depósitos, rasguei-a toda e atirei-lha para cima do balcão à sua frente e, quando ele ia para me dizer qualquer coisa .. «não me diga nada. Já saio daqui enojado com esta coisa»!

Nesse tempo o BES, não tinha Conta Poupança Habitação, subi à Pç Camões, entrei aquela porta (então verde), dirigi-me ao balcão e disse ao empregado. "Quero abrir uma Conta Poupança Habitação mas, se me vai dizer para ir ao BPA, com o cheque e trazer o dinheiro, é melhor dizer-me já»! "Era o que faltava! Você abre a conta com o cheque. Se fosse ao BPA buscar o dinheiro, ainda podia ser assaltado pelo caminho"!

Que diferença! Tantas foram as inovações que a então Nova Rede fez!

Depois de umas conversas com o Fernando Pessoa, uma olhada à Brasileira do Chiado. A mesma visão de há 50 anos!

 

A bica na Benard, o enrolamento entre esses pontos chave do Chiado, para baixo, para cima, para a direita, para a esquerda, naquelas passadas cuja sequência as transformam numa caminhada ...

 

O bulício do meu "malmequer" com o Paris em Lisboa e, no entretanto, a minha observação pelos candeeiros de velhos tempos e pelas fachadas dos velhos prédios do Chiado debruçados sobre as ruas a observarem quem passa e, certos de que quem passa também os sabe observar. Lá está a velha barcaça que transportou o corpo de S. Vicente, guardado pelos corvos, os meus amigos Vicentes cheios de simbolismo na reconstrução da Lisboa pós mourisca.

 

Uma olhada para o lado e eis uma das grandes livrarias de Lisboa - a Livraria Sá da Costa. Cheia de histórias, onde, noutros tempos, eu bisbilhotava todas aquelas prateleiras, sombrias, à procura de livros que me contassem histórias e me agradassem para, mais tarde, na primeira oportunidade, levantar nas bibliotecas municipais porque o tempo e o dinheiro eram poucos e não podiam ser dispersados em livros sem interesse. Deixo aqui esta montra da Sá da Costa, com motivos que se perdem no tempo. Essa mala podia ser a minha mala de outros tempos!

 

Mas havia um motivo mais forte, mais abaixo e do lado direito!

Lá vai o meu "malmequer" toda entusiasmada, preparada para entrar na porta a seguir à esquina. Uma porta que faz parte da sua vida e da minha, tantas foram as vezes que lá entramos juntos ou separados. Ali dentro, ela foi uma princesa, até uma rainha! Ali, quando a Livraria Bertrand era uma grande Livraria (instituição ex-líbris do Chiado e de Lisboa) e chegou a dispor de uma Galeria d'Arte, era o meu malmequer responsável por essa actividade, então bem dura. Já estávamos nos tempos escuros que a revolução de Abril nos trouxe. Desempregados, falta de dinheiro para pagar os ordenados, trabalhos mal distribuídos, incertezas de continuar a comer no dia seguinte ...

 

Mas foi dentro desta casa que ela conheceu artistas, ministros, embaixadores, presidentes e todos os demais bichos-caretas com instinto e dinheiro pela Arte e pelos livros. Foi dentro desta casa que eu ouvia atributos elogiosos ao seu trabalho, à sua dedicação, à sua simpatia, ... para todo o público.

"Desculpe-me, tenho-o visto tão entusiasmado de volta dos meus quadros, quem é o Senhor"?

«Sou marido da moça que acabou de sair por aquela porta»!

"Desculpe-me, mais uma vez, foi o sorriso que ela lhe dirigiu que me levou a fazer-lhe a pergunta. Ela é um encanto de pessoa. Sempre entusiasmada com o trabalho, dedicada para toda a gente. Dou-lhe os parabéns. Tem uma esposa que é um encanto"!

Alice Jorge (foi esposa de Júlio Pomar) era o seu nome. Ofereceu-nos um quadro e disse-me que nunca ninguém lhe fez uma dedicatória tão brilhante como a minha. Engraçado recordar!

Também o Pintor Louis Durdil, meu companheiro de algumas caminhadas, cafés e conversas pelo Chiado, me dizia que adorava o meu malmequer e nos convidou para ir ao seu local de trabalho para fazer o esboço da pintura que eu queria. O Senhor da Esfera não o deixou! Entre outos, tive o prazer de, na 6ª sala, conversar durate um tempinho com o então Presidente do Brasil, José Sarney  e sua esposa, sobre o seu Brasil e os seus Moribondos de Fogo ....

Gostava de falar aqui de toda essa gente, pelo menos, os que formam a pinga na ponta da lança. Dos pintores Nuno Barreto, Nadir Afonso, ... sei lá!

Passei por isso tudo, ontem, na Bertrand!

Mas não era a nossa Bertrand. A nossa Bertrand era linda! Os livros arrumados em estantes e mesas clássicas de madeiras de tantos anos, o seu chão em mosaicos de tom vermelho... As suas paredes que não estavam cobertas pelas estantes, mostravam-nos as suas pedras despidas, sempre que as olhávamos, contavam-nos histórias de séculos! Na Galeria Bertrand, havia uma chaminé fabulosa, feita de pedra que encantava toda a gente. Até a escadinha de pedra que dava acesso ao quintal, era encantadora. Ontem passei entre aquelas salas e notei, também, a falta dos imponentes arcos de pedra que faziam a comunicação entre as salas. No lugar dos musaicos, encontrei alcatifas, essa ciganada de chão que, nas circunstâncias, não interessa a ninguém a não ser, aos vendedores de alcatifas.

Ontem não vimos nada do que queríamos! Vi as seis salas da Bertrand, forradas de alcatifas, de estantes e mesas, cheias de livros, onde não cabe uma formiga, onde não se vê uma pedra, um pedaço de parede. Que pena!

Estamos a falar de um espaço (livraria), reconhecido pelo Guinness como a Livraria mais antiga do mundo em actividade desde 1732. Foi fundada por Pedro Faure, abrindo portas na Rua Direita do Loreto, em Lisboa.

Em 1755, Pierre Bertrand, genro de Faure, devido ao Terramoto de Lisboa, foi instalar-se junto da Capela de Nossa Senhora das Necessidades. Em 1773, a Bertrand voltou a abrir as portas na reconstruída baixa pombalina. Ontem recordei nomes que, pelo tempo fora, fui ouvindo falar. José Fontana (que se suicidou lá dentro, quando gerente e soube que tinha sido apanhado pela tuberculose), Aquilino Ribeiro, Fernando Namora, Alexandre Herculano, Ramalho Ortigão, ... e outros.

Soube hoje que, actualmente, a Livraria Bertrand é uma empresa do grupo Porto Editora.


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A casa velha, implantada na serra do Cercal, debruçada sobre o rio Mira